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Em cartaz, em um passado próximo

Em cartaz, em um passado próximo

Até onde as memórias influenciam o fazer e o produto artístico? Uma pergunta aparentemente sem resposta possível permeia a narrativa angustiada de “Retratos Fantasmas” (2023), documentário brasileiro dirigido por Kleber Mendonça Filho e que foi escolhido para representar o Brasil por uma indicação ao Oscar 2024 pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais, na categoria Melhor Filme Internacional.

Mendonça Filho, acostumado a aclamados filmes de ficção, como “O Som ao Redor”, “Aquarius” e “Bacurau”, busca no seu passado, vivendo no centro da cidade de Recife, capital de Pernambuco, a matéria prima para a nova obra, onde metaforiza o espaço urbano, colhido pelo tempo da cidade, como um espelho para si mesmo.

O diretor cumpre, inicialmente, esse itinerário sentimental no roteiro, indo do universo particular (o apartamento da mãe) para o coletivo (os cinemas que fecharam). No ambiente residencial, onde filmou várias cenas de filmes passados, ele “cobra” da própria memória e dos filmes caseiros, elementos humanos, visuais e sonoros (incluindo latidos de cachorros), que possam moldar um sentido narrativo que, a priori, vai se fechar nos escombros de um local que já não existe.

Os fantasmas não estão apenas nos fotogramas (em um momento curioso da obra), mas na angústia da finitude que nos cerca, e permite o apego às coisas que estão no nosso passado e nos recusamos a deixar no tempo em que elas viveram. Daí, ele volta as lentes para as ruas que estão no caminho dos cinemas de rua, criando mapas mentais e catalogando obras projetadas.

 O choque de melancolia se revela pela montagem entre vídeos caseiros, imagens pessoais e trechos de filmes. Em algum momento, ele “perde” o próprio fio da meada, mas talvez a intenção seja essa mesmo, mostrar como a mente humana embaralha as lembranças, até que elas viram fragmentos de outra vida.

Quando passa a tratar sobre os cinemas, o filme abre esse precedente para a cultura nacional e local e como somos negligentes ou alheios aos movimentos que nos cerca. Em meio ao fim de elementos culturais na selva de concreto, nem os cinemas e nem as relações sociais se mantêm estáveis. Tudo se desmancha na lógica do desenvolvimento urbano e das construções coletivas, em transformações impostas pela modernidade. O cinema é só mais uma vítima disso, afinal.

Para quem perdeu a experiência no cinema, “Retratos Fantasmas” está disponível para compra ou aluguel nas principais plataformas de streaming. Vamos prestigiar o cinema nacional.