Há um movimento discreto, mas significativo no cinema hollywoodiano, nos últimos anos, que parece redefinir a relação do público com filmes em streaming versus cinema. Existem produtos feitos para plataformas, mas se mostram tão bons (afinal, passam por exibições-testes), que acabam sendo lançados na tela grande antes. Alguns, inclusive, têm feito relativo sucesso de público e crítica, principalmente no gênero de terror, que vive bom momento no circuito comercial. Foi assim como “Predador – A Caçada”, “Sorria” e agora com “A Morte do Demônio – A Ascensão” (2023), novo exemplar da improvável franquia criada pelo diretor Sam Raimi.
A boa notícia é que funciona e parece que temos um novo respiro para a saga demoníaca de horror, que começou com Ash, lá nos anos de 1980, e agora é transportada para Los Angeles dos dias atuais, quando o Livro dos Mortos é invocado e o demônio acelerado e sádico atormenta uma família moradora de um prédio quase abandonado. E o diretor Lee Cronin se destaca por dar novas camadas a uma mitologia simples, mas com sobra de diversão e situações agonizantes, além de algumas pitadas de humor nonsense pelo caminho.
É importante destacar que Cronin não se envergonha de trazer o gore extremo para dentro da sua história, com profusão de sangue espirrando para todo lado e uso de todo tipo de objeto para arrancar carne ou desmembrar os incautos, entre serras, espingardas e até ralador de legumes. Pode parecer exagerado, mas é justificável no contexto do longa e da franquia, famosa por gastar litros de sangue falso nas cenas mais pesadas.
O diretor é hábil, ainda, em concentrar o terror em praticamente dois cenários fechados, ainda achando espaço para homenagear a trilogia original, como a câmera acelerada e a expectativa de aparições. Em outras colunas, já citei como é difícil filmar em locações reduzidas, por questões de enquadramento, movimentação de equipe e posicionamento dos atores.
Mas, felizmente, isso não prejudica o estreante realizador, que mostra ter tino para a coisa. Raimi, que aqui atua como produtor, deve estar orgulhoso do seu pupilo. E ainda é inventivo na construção do clima de horror: as cenas sob o olho mágico da porta são de segurar na poltrona, além da criatura formada por vários possessos, unidos por membros mutilados (mesmo com orçamento reduzido, os efeitos especiais são bem feitos).
Além de tudo, é um filme com design de som decente, boa maquiagem, e um elenco desconhecido, mas que trabalha bem, com destaque para Alyssa Sutherland, apavorante como a mãe endemoninhada. Tudo caminha para uma construção de suspense e tensão que mantém o espectador preso à cadeira (ou no sofá), durante a sessão. É mais do que a maioria dos filmes de terror conseguem hoje em dia.
Com o sucesso, mesmo sendo um filme feito para ser quase independente, A Ascensão deve ganhar uma sequência e ser o ponto de partida de uma nova franquia, que esperamos que seja tão boa quanto a original.