Há algumas colunas eu venho tratando de um assunto recorrente, sobre como histórias originais ainda podem levar as pessoas ao cinema, algo que os estúdios e executivos ainda não entenderam, já que insistem em investir em continuações, refilmagens e fórmulas repetitivas, de olho apenas nos bilhões de bilheteria, em uma bolha que já começou a estourar.
Volto ao tema devido ao sucesso de “Pecadores”, que sendo uma história nova, traz números surpreendentes e uma interessante perspectiva comercial a partir do modelo de negócios imposto pelo diretor Ryan Coogler para ter controle total da sua obra e da estrutura de trabalho.
Basicamente, Coogler negociou a produção com a Warner dentro de termos até surpreendentes para uma indústria acostumada a ter controle total dos trabalhos e do lucro, fazendo muitas vezes continuações absurdas de sucessos comerciais (quem não lembra as intermináveis continuações de Psicose e Rocky?).
A primeira exigência do diretor foi ter a última palavra no corte do filme, algo raro no meio cinematográfico americano. Ele também teve direito a ganhos de bilheteria logo na semana de estreia do filme, o que normalmente não acontece. Diretores e atores podem acordar ganhos de bilheteria quando a produção começa a dar lucro, acima do que foi investido em produção e divulgação.
E, por fim, mais importante, o diretor de “Pantera Negra” e “Creed” também terá direito de volta pela obra em 25 anos. Isso significa que a Warner pode explorar a marca e a mitologia do filme por pouco mais de duas décadas e depois tudo volta para o seu criador usar (ou vender como catálogo) como quiser.
As implicações disso ainda são desconhecidas, já que os estúdios dificilmente vão querer abrir mão do controle criativo e material dos produtos financiados por eles, sejam filmes ou séries, principalmente agora que eles têm seu próprio streaming ou negociam catálogo com outros.
Mas é curioso como um diretor que não tem muito tempo de estrada consegue impor condições de trabalho que podem mudar como funciona a estrutura de negócios do cinema americano e como artistas poderão barganhar sua criatividade em seus próprios termos, afinal, que estúdio abriria mão de ter um talento do nível de Coogler no seu staff?
Enquanto isso, “Pecadores” já acumula 200 milhões de dólares nas bilheterias americanas e mais 100 milhões pelo mundo, um marco em se tratando de um filme de terror original. A pergunta que fica é: se outros criadores resolverem negociar nos mesmos termos, como a indústria irá se comportar? A seguir, cenas dos próximos capítulos…