A partir de 2026, entra em vigor um dos pilares mais sensíveis da Reforma Tributária: a criação do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) e do Sistema Nacional de Compartilhamento de Informações do Território (CTER). Ambos estão previstos na Lei Complementar nº 214/2025, regulamentando a Emenda Constitucional nº 132/2023.
O que é o CIB?
O Cadastro Imobiliário Brasileiro será um banco de dados unificado, de abrangência nacional, reunindo:
• informações de cartórios de registro de imóveis;
• cadastros municipais (IPTU, ITBI);
• dados de estados (ITCMD, ITBI estadualizado em alguns casos, registros fundiários);
• cruzamento com a Receita Federal.
O objetivo declarado é integrar e padronizar informações sobre propriedades urbanas e rurais, com atualização permanente de dados como:
• titularidade;
• características físicas;
• localização georreferenciada;
• valores de referência e de mercado.
O que é o CTER?
O Sistema de Compartilhamento de Informações do Território (CTER) funcionará como a “infraestrutura tecnológica” do CIB, interligando:
• cartórios de registro de imóveis;
• prefeituras e secretarias de fazenda estaduais;
• Receita Federal.
A lógica é permitir intercâmbio em tempo real de informações sobre negócios imobiliários, transmissões causa mortis, doações e avaliações de mercado.
Impactos tributários diretos
- Atualização automática dos valores de mercado
Um dos pontos mais relevantes — e polêmicos — é a atualização em tempo real dos valores de mercado dos imóveis.
• Hoje, muitos municípios utilizam valores venais defasados para IPTU e ITBI.
• Com o CIB + CTER, o valor de referência será mais próximo ao de mercado, reduzindo a possibilidade de subavaliação.
Efeito prático:
• aumento da base de cálculo do IPTU, ITBI e ITCMD;
• menor espaço para “planejamento tributário” baseado em valores históricos.
Exemplo – IPTU mais caro
Hoje, muitos municípios utilizam valores venais muito abaixo do valor real de mercado.
• Imóvel em bairro nobre de São Paulo:
• Valor venal atual no cadastro municipal: R$ 500 mil.
• Valor de mercado real: R$ 1,2 milhão.
• IPTU calculado pelo valor venal: R$ 7.500,00/ano (alíquota 1,5%).
• Com o CIB + CTER, valor atualizado para R$ 1,2 milhão → IPTU sobe para R$ 18.000,00/ano.
Ou seja: o imposto quase triplica, apenas pela atualização automática do valor de referência.
Exemplo – Compra e venda de imóvel (ITBI)
• Apartamento vendido por escritura em R$ 400 mil, mas cujo valor de mercado é R$ 600 mil.
• ITBI (alíquota média 3%):
• Antes do CIB: imposto calculado sobre R$ 400 mil → R$ 12.000,00.
• Com o CIB: imposto calculado automaticamente sobre R$ 600 mil → R$ 18.000,00.
Diferença de R$ 6.000,00 apenas porque a base de cálculo passa a ser o valor de mercado.
- Maior rigor na sucessão e heranças
No caso de transmissões causa mortis (heranças) e doações, o impacto será significativo:
• os bens passarão a ser avaliados pelo valor de mercado atualizado;
• herdeiros e donatários pagarão ITCMD mais elevado, especialmente em estados que já aplicam alíquotas progressivas (até 8%).
Exemplo – Herança (ITCMD)
• Pai falece deixando um imóvel avaliado no IPTU por R$ 700 mil, mas com valor real de mercado de R$ 1,5 milhão.
• Estado aplica ITCMD de 8%.
• Antes do CIB: ITCMD calculado sobre R$ 700 mil → R$ 56.000,00.
• Com o CIB: ITCMD calculado sobre R$ 1,5 milhão → R$ 120.000,00.
Os herdeiros terão de pagar mais do que o dobro de imposto.
Exemplo – Doação de imóvel em vida
• Mãe doa um imóvel ao filho.
• Valor venal (IPTU): R$ 200 mil.
• Valor de mercado apurado pelo CIB: R$ 500 mil.
• ITCMD (alíquota 4%):
• Antes do CIB: imposto seria R$ 8.000,00.
• Com o CIB: imposto será R$ 20.000,00.
Diferença de R$ 12.000,00 no custo da doação.
- Combate à sonegação e planejamento abusivo
O cruzamento de dados permitirá identificar:
• discrepâncias entre valores declarados em escrituras e valores de mercado;
• fraudes em cessões de direitos e “vendas subfaturadas”;
• imóveis não declarados ou em situação irregular.
Consequências práticas para contribuintes
• Proprietários de imóveis urbanos: aumento gradual do IPTU.
• Investidores imobiliários: maior tributação sobre lucros imobiliários, ITBI mais caro em operações de compra e venda.
• Empresas patrimoniais (holdings): terão que revisar modelos de integralização de capital e reorganizações societárias com imóveis.
• Herdeiros e famílias em planejamento sucessório: aumento de ITCMD, reduzindo margens de economia via inventário ou doações em vida.
Pontos de atenção para advogados e planejadores
1. Revisão de estruturas patrimoniais: holdings e SPEs terão que ser redesenhadas.
2. Planejamento sucessório antecipado: 2025 pode ser o último ano para realizar transmissões com valores de referência antigos.
3. Discussão judicial: possibilidade de judicialização caso valores de mercado adotados pelo CIB sejam contestados como abusivos ou sem respaldo em avaliação técnica.
4. Compliance imobiliário: empresas e grandes famílias precisarão manter cadastro atualizado para evitar autuações.
A criação do CIB e do CTER inaugura um novo paradigma na tributação imobiliária no Brasil. Se por um lado traz transparência e uniformidade de informações, por outro impõe um aumento significativo da carga tributária sobre proprietários e herdeiros.
Para advogados tributaristas, contadores e planejadores patrimoniais, a palavra de ordem é antecipação: revisar estruturas em 2025 pode evitar custos elevados quando o sistema entrar plenamente em vigor em 2026.