ISABELA PALHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes cresceram no país em 2022. Houve aumento de casos de abandono, maus-tratos, lesão corporal e de crimes sexuais.
Os dados são do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na manhã desta quinta-feira (20) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os registros de crimes contra crianças e adolescentes já superam os números de antes da pandemia de Covid-19. Ao todo são mais de 102 mil menores de idade vítimas de violência no país e os especialistas ressaltam que os números oficiais estão longe de representar o total, já que há grande subnotificação desse tipo de crime.
Os crimes sexuais foram os que tiveram maior aumento proporcional em 2022. O estupro é o tipo de crime com o maior número de registros contra menores de 18 anos no Brasil e teve um aumento de 15,3% no ano passado -passando de 45.076, em 2021, para 51.971.
As denúncias de exploração sexual cresceram 16,4%, passando de 764 para 889, no mesmo período. Também houve aumento de 7% nos registros de pornografia infanto-juvenil, que foi de 1.523 para 1.630.
“Esses percentuais de crescimento foram puxados, especialmente pelo aumento de registros nos estados do Norte e Nordeste”, destaca o relatório do Fórum.
Os dados indicam ainda uma redução na idade média das vítimas de crimes sexuais. Em 2021, dentre as vítimas de 0 a 17 anos, 48,7% dos casos tiveram vítimas de até 14 anos e, em 2022, esse percentual é de 58,0%. Além disso, o pico da curva que antes era aos 15 anos, agora é aos 14 anos.
Além da redução da idade das vítimas, os pesquisadores também destacam que esse é um tipo de crime em que a desigualdade racial fica fortemente evidenciada. Até os quatro anos de idade, crianças brancas e negras são vítimas em proporção semelhante, mas, conforme a idade avança, o crime passa a vitimar mais as negras.
“O racismo atravessa todas as esferas da dinâmica criminal e, infelizmente, com as crianças e adolescentes não é diferente. À medida que crescem, as crianças negras vão sendo tratadas como menos dignas de proteção e se tornam mais propensas a serem violentadas”, diz Betina Warmling Barros, pesquisadora do Fórum.
O relatório também destaca o aumento de outros tipos de crime, como o de maus-tratos, que teve crescimento de 13,8%. Os registros passaram de 19.799 para 22.527.
Também houve aumento de 14% nos casos de abandono de incapaz, passando de 8.197 registros para 9.348.
Para Betina, uma das hipóteses para o aumento é que os registros podem ter ficado represados durante os dois anos anteriores com a pandemia, em que as crianças ficaram sem ir à escola.
“Estamos falando de crimes que acontecem em casa que, geralmente, são cometidos por alguém da família ou de confiança da própria criança. Por isso, a escola tem um papel fundamental em ajudar a identificar essas violências e denunciar. Com o fechamento de escolas, a identificação desses casos foi muito prejudicada”, diz a pesquisadora.
Ela destaca também o papel da escola no combate aos crimes sexuais contra crianças e avalia que o aumento desses registros pode ter ocorrido pelas tentativas ocorridas nos últimos anos de retirar conteúdos de educação sexual do currículo escolar.
Os dados mostram que, nos casos de estupro de vulnerável (ou seja, em que a vítima tem até 13 anos), 86% dos crimes são cometidos por alguém conhecido da criança e 72% das ocorrências foram dentro da casa da vítima.
“A educação sexual, tão atacada nos últimos anos por alguns grupos conservadores, têm exatamente o papel de proteger as crianças. Na maioria das vezes, elas estão sendo violentadas sem entender que sofrem violência ou a quem recorrer. A escola pode ajudar a proteger essas crianças”, diz Betina.
Lucas Lopes, da Coalização Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescente, diz que o Brasil vive uma escalada de registro de crimes contra menores de idade, mas continua sua respostas para combater essa violência.
“O aumento em todo os indicadores é assustador, mas, infelizmente, não é uma situação inédita. Ano a ano, os registros vêm subindo e o país segue sem nenhuma proposta do governo federal para uma política de combate e prevenção a esse tipo de violência, diz Lopes, que também é membro da Agenda 227.
Para ele, o Brasil tem uma legislação robusta com dispositivos importantes para proteger as crianças, mas faltam ações e estratégias para garantir seu cumprimento.
“As leis são importantes, mas são pouco efetivas porque não se desdobram em políticas públicas. “São crimes que ocorrem dentro de casa, por isso, o seu combate é complexo e envolve uma série de ações. Não é só uma campanha, mas o fortalecimento dos laços familiares, das condições socioeconômicas, dos serviços de educação, saúde, assistência social.”
COMO DENUNCIAR
– O Disque 100, canal de denúncia anônima do governo federal, funciona 24 horas, todos os dias da semana. Basta ligar gratuitamente para o número 100. Também é possível denunciar pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil ou pelo número de WhatsApp (61) 99611-0100.
– A denúncia pode ser feita presencialmente em uma delegacia de polícia, de preferência uma delegacia de proteção à mulher ou de crianças e adolescentes, se houver na sua cidade.
– Os Conselhos Tutelares podem ser procurados para ajudar a tirar uma criança de uma situação de violência, ainda que seja uma suspeita.