A transferência de um avião king Air do Hospital Santa Maria de Ananindeua para a Agropecuária JD pode complicar ainda mais a situação do prefeito de Ananindeua, Daniel Barbosa Santos. O Santa Maria e o dono dele, Elton dos Anjos Brandão, estão com os bens bloqueados pela Justiça desde o último 29 de abril, quando uma operação do Ministério Público do Pará (MPPA) desbaratou uma suposta quadrilha que teria desviado mais de R$ 261 milhões do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Pará (Iasep) para aquele hospital.
Mesmo assim, em 2 de maio, três dias depois do bloqueio, o Santa Maria transferiu o avião para a Agropecuária JD, que pertence ao prefeito. Segundo um advogado criminalista ouvido pelo DIÁRIO, o fato pode configurar fraude contra credores e desobediência a uma ordem judicial.
Além disso, segundo o advogado, a transação reforça as suspeitas de que o prefeito permanece, informalmente, como sócio daquele hospital. Elton e Daniel foram os únicos donos do Santa Maria, entre meados de 2014 e maio de 2022, quando Daniel deixou a sociedade, perante a Junta Comercial do Pará (Jucepa) e a Receita Federal. As fraudes contra o Iasep, que resultaram no desvio de R$ 261 milhões, teriam ocorrido entre 2019 e meados de 2023. Elas incluiriam direcionamento de pacientes para o Santa Maria, atendimentos fictícios e superfaturamentos de até 1.000% nas cobranças do hospital por serviços realizados para o Iasep, que é o plano de saúde do funcionalismo público estadual.
Hoje, as investigações se encontram sob segredo de Justiça. Mas até a operação de 29 de abril, o MPPA apontava Elton Brandão como o chefe da suposta quadrilha. Outro investigado é o servidor público Ed Wilson Dias e Silva.
Segundo o MPPA, era ele quem fazia a ponte entre Elton Brandão e o Iasep. E só após reuniões com Ed Wilson era que André Luiz Oliveira de Miranda, que seria o coordenador da suposta quadrilha dentro do Iasep, acionava outros quatro servidores, “para acelerar ou diminuir o volume do esquema”. Ambos, Ed Wilson e Elton Brandão, sempre foram homens de confiança de Daniel Santos, como descobriu o DIÁRIO.
Entre 2021 e 5 de abril deste ano, Ed Wilson foi chefe de Gabinete do prefeito e diretor de Planejamento Estratégico da Prefeitura de Ananindeua. Ou seja, durante boa parte do período das fraudes, só se afastando de cargos estratégicos da Prefeitura dias antes da operação do MPPA. Além disso, Ed Wilson também teria sido chefe de Gabinete da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), quando Daniel presidiu aquela Casa de Leis, em 2019 e 2020. Já Elton Brandão era ainda mais próximo de Daniel. Tanto assim, que acabaram até indo morar, como vizinhos, no mesmo condomínio de luxo, em Ananindeua. Ambos são médicos e se conhecem desde pelo menos 2013, quando Elton fundou o Santa Maria e Daniel foi trabalhar lá, meses depois de se eleger vereador.
Em meados de 2014, Geciara dos Santos Barbosa (outra envolvida na suposta quadrilha) se afastou do hospital. E quem assumiu o lugar dela, como sócio, foi Daniel. Formou-se, então, uma curiosa parceria entre Daniel e Elton. Cada um possuía metade do Santa Maria. E perante a Jucepa e a Receita Federal, quem administrava o negócio era Elton, já que a Lei proíbe que políticos eleitos administrem empresas. Mas o Cadastro Nacional de Estabelecimentos Saúde (CNES) revela que era Daniel quem mais estava presente no cotidiano do Santa Maria, o único hospital em que trabalhou, desde 2013 até julho do ano passado. Já Elton, o administrador formal, teve de “se virar nos trinta”: clinicou no Santa Maria e em uma filial do hospital, em Marituba; trabalhou, na UPA II da Prefeitura de Ananindeua, até dezembro de 2017, e também no estado do Maranhão.
MILAGRE ECONÔMICO
Como mostrou o DIÁRIO, o crescimento do Santa Maria coincidiu com a ascensão política de Daniel Santos. Em 2016, ele se reelegeu vereador. Em 2018, elegeu-se deputado estadual. Em 2019 e 2020, presidiu a Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), que possui um orçamento milionário. Em 2020, elegeu-se prefeito de Ananindeua.
No mesmo período, o Santa Maria experimentou um verdadeiro milagre econômico: seu faturamento, que foi de R$ 13,3 milhões, em 2014, saltou para R$ 82,6 milhões, em 2019; e para R$ 156 milhões, em 2022, em valores atualizados pelo IPCA de janeiro deste ano. Um crescimento superior a 1000%, já descontada a inflação.
Assim, o Santa Maria, que antes funcionava em um prédio antigo e acanhado, virou um edifício espelhado de vários andares e um dos maiores hospitais da Região Metropolitana. E com Daniel no comando da Prefeitura, passou a concentrar ainda mais o atendimento hospitalar privado, em Ananindeua e municípios próximos.
Segundo o portal da Transparência, desde 2021 até o último 24 de maio, a Prefeitura pagou R$ 73,2 milhões àquele hospital, em valores atualizados. Ou mais que o dobro do que receberam outros hospitais do município. Nesse período, os pagamentos ao Santa Maria cresceram 65,72%, já descontada a inflação.
Enquanto isso, o hospital Camilo Salgado foi desapropriado e sofreu um calote de R$ 4 milhões, que perdura até hoje, o que impediu seus proprietários de reabri-lo em outro local. Outros dois grandes hospitais da cidade, o Anita Gerosa e o Hospital de Clínicas de Ananindeua (HCA) sofrem atrasos de pagamentos que se estendem por meses. O dinheiro é do SUS. Mas quem contrata os hospitais e recebe os relatórios dos serviços que dizem ter realizado é a Prefeitura.
Por Ana Célia Pinheiro