O setor de supermercados vive uma crise de emprego inversa a tudo o que se viu no Brasil por anos seguidos. Com 357 mil vagas abertas no país, as redes não encontram trabalhadores e têm feito parcerias para contratar egressos do Exército.
A falta de mão de obra está atrelada a uma mudança no perfil dos jovens -a área é considerada porta de entrada para o mercado de trabalho-, que buscam mais flexibilidade na jornada e salários maiores, segundo associação do setor.
“Antes, o trabalhador procurava o supermercado. Agora, o supermercado está procurando, usando redes, oferecendo bolsas de empregos, e com iniciativas com Exército, Marinha e Força Aérea no sentido de que os egressos do sistema militar encontrem nos mercados oportunidade de emprego de forma mais rápida”, afirma Marcio Milan, vice-presidente da Abras (Associação Brasileira dos Supermercados).
“O que a gente vem identificando nos últimos meses é que o jovem está mudando de perfil e espera, muitas vezes, trabalhos mais flexíveis”, afirma Milan.
Ele reconhece que o valor do salário é “básico”, mas aponta como vantagens os benefícios que as empresas oferecem na contratação pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
“Ao iniciar no mercado de trabalho, ele [trabalhador] tem, mesmo na função básica com salário de entrada, vale-alimentação, vale-refeição, auxílio-transporte, férias, 13º, fundo de garantia. Mas, muitas vezes, essa comparação [de valor] é feita só com o salário de entrada.”
O vice-presidente afirma que, além das campanhas feitas pelas empresas e da parceria com as Forças Armadas, há ainda conversas com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Congresso para tentar mudar o cenário.
As demandas da associação ao Planalto e aos deputados e senadores envolvem mais mudanças na CLT -que passou por reforma em 2017, no governo de Michel Temer (MDB)- e debates aprofundados sobre o fim da escala 6×1, pois o setor teme a implantação da escala 4×3 proposta pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) e o movimento VAT (Vida Além do Trabalho).
A alteração na CLT estaria ligada à possibilidade de contratação dos trabalhadores por hora, sem onerar as empresas com os impostos sobre a folha de salários, o que seria uma forma de atrair quem procura flexibilidade. Seria o caso tanto dos mais jovens quanto das pessoas com 60 anos ou mais.
Milan afirma que o setor vê com preocupação os avanços pelo fim da escala 6×1 e implantação da escala 4×3, mas acredita que o debate é necessário. O problema, segundo
ele, é que já há falta de mão de obra e os supermercados teriam mais dificuldades ainda de encontrar gente para contratar.
O setor supermercadista é um dos que mais emprega no país, com 3 milhões de vagas diretas e indiretas e mais de 400 mil lojas abertas, segundo ele.
O desemprego no Brasil atingiu mínimas históricas, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A taxa subiu a 6,5% no trimestre até janeiro, nível mais baixo da série iniciada pelo instituto em 2012 para o trimestre e igual ao trimestre terminado em janeiro de 2014.
Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de SP) afirma que há aspectos positivos e negativos na baixa do desemprego.
“O lado positivo é a taxa de desemprego baixa, ou seja, não há um exército de pessoas desesperadas para preencher qualquer vaga que apareça. O primeiro aspecto negativo é que ainda há uma quantidade grande de pessoas nem nem [nem trabalham nem estudam]. Então, o que eles estão produzindo para a sociedade? Como pretendem seguir sua vida?”
Pina diz que a falta de mão de obra deve acelerar a informatização do setor. “Por exemplo, o operador de caixa está virando máquina automática.”
A automatização é o que vem sendo defendida por entidades que representam os trabalhadores. Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo e da UGT (União Geral dos Trabalhadores), diz que tem acompanhado de perto essa falta de mão de obra nos setores de comércio e serviços.
O sindicato e a UGT são responsáveis por organizar, todos os anos, um mutirão de emprego na região central da capital paulista. Embora trabalhadores ainda durmam na fila em busca de uma vaga, a lotação que se via no vale do Anhangabaú não existe mais.
Desde 2023, o número de pessoas em busca de emprego desta forma tradicional é cada vez mais escasso.
A vantagem de se buscar vaga no feirão é sair empregado, já que grandes companhias, como supermercados e redes de varejo, levam toda a equipe de recursos humanos para dar esse suporte e “fisgar” os talentos, segundo sindicalistas.
Jovens, mulheres e pessoas com deficiência têm sido priorizadas no mutirão, justamente porque são um público mais afetados pelas oscilações no mercado de trabalho e pelos preconceitos, segundo Patah.
Neste ano, o feirão deverá ser realizado no segundo semestre, ainda sem data. Uma das estratégias tem sido realizar os mutirões em outras regiões do país, para tentar atender a um número maior de trabalhadores e empresários.
Patah é um defensor do fim da escala 6×1, com aumento da automatização dos supermercados e outras redes de varejo.
“Comerciário trabalha demais, de domingo a domingo. Um trânsito infernal em São Paulo [capital], demora uma hora e meia para ir e para voltar. Quando tem a folga, é para trabalhar também. No século 21, tanta tecnologia e mudanças importantes, que precisamos rever essa jornada”, diz.
Cleonice Caetano de Souza, vice-presidente nacional da UGT, diz que o projeto maior da entidade é “colaborar com as empresas para que elas preencham as vagas”, mas que
há dificuldades por conta da falta de mão de obra.
“Temos conversado, inclusive, com as empresas, para dar ofertas melhores. Porque 6×1 é bem complicado. Por mais que a empresa diga que trabalha 44 horas semanais, dificilmente a folga sai sábado ou domingo, é sempre dia de semana. As pessoas se distanciam da família, têm dificuldade em estudar”, diz.
CRISTIANE GERCINA