A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta terça-feira, a partir das 9h30m, a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras sete pessoas por uma suposta tentativa de golpe de Estado. Caso a maioria decida aceitar a representação, Bolsonaro, ex-ministros e militares que participaram de sua gestão vão virar réus. Com esquema de segurança reforçado, a Corte inicia um processo que poderá levar o ex-ocupante do Palácio do Planalto, ainda este ano, à condenação até 43 anos de prisão.
Bolsonaro já está inelegível até 2030 por ter promovido ataques às urnas eletrônicas. A sanção é decorrente de condenação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2023, por abuso de poder. Um eventual revés na esfera criminal, contudo, limitaria o seu campo de atuação e dificultaria ainda mais as iniciativas que tentam reverter a inelegibilidade.
Enquanto isso, aliados do ex-presidente estão divididos em relação aos possíveis candidatos para enfrentar Luiz Inácio Lula da Silva em 2026. Isso porque Bolsonaro não dá um sinal claro de quem seria o seu escolhido em um cenário em que não possa concorrer. Hoje, a exclusão do ex-presidente da corrida eleitoral é considerada certa em Brasília.
Acuados, bolsonaristas tentam atuar em diversas frentes para mobilizar aliados. Buscam, por exemplo, pressionar o Congresso e mobilizar a opinião pública pela anistia aos envolvidos nos ataques do 8 de Janeiro. Também procuram denunciar uma suposta perseguição do Poder Judiciário.
A estratégia ficou evidente recentemente com a movimentação de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se licenciou do mandato na Câmara para morar nos Estados Unidos e tentar exercer uma pressão externa contra o STF junto ao governo Trump.
Na Primeira Turma do STF, estão marcadas três sessões para a análise da acusação: duas nesta terça-feira (de manhã e de tarde) e uma para quarta-feira de manhã.
Ao analisar uma denúncia, os ministros avaliam se há indícios da autoria de um crime. Em caso positivo, é aberta uma ação penal, quando os réus prestarão depoimento e tanto a PGR quanto a defesa poderão indicar testemunhas e pedir a coleta de provas.
Apenas ao final dessa etapa o mérito do processo é analisado, com uma absolvição ou condenação. Ao todo, a PGR denunciou 34 pessoas pela suposta trama golpista que teria ocorrido entre o final de 2022 e o início de 2023. A acusação, no entanto, foi dividida em cinco núcleos, para facilitar a tramitação.
De acordo com a PGR, Bolsonaro e os outros denunciados cometeram os crimes de organização criminosa, abolição violenta do estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Na primeira leva, na qual Bolsonaro está incluído, do chamado “núcleo crucial”, serão analisados os casos dos ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil e Defesa), Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa).
Ainda compõem o grupo o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, atual deputado federal, e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Na denúncia da trama golpista, apresentada no dia 18 de março, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirma que Bolsonaro liderou uma organização criminosa que tentou golpe de Estado. De acordo com a PGR, a suposta organização criminosa estava “enraizada na própria estrutura do Estado” e tinha “forte influência de setores militares”.
O julgamento será iniciado com uma leitura do relatório de Moraes, uma espécie de resumo do caso. Não existe um limite de tempo para essa etapa. Em alguns casos, a leitura pode ser dispensada.
Em seguida, a PGR irá defender sua posição, pelo recebimento da denúncia. O tempo da fala deve ser de 30 minutos. A sustentação oral deve ser feita pelo próprio Gonet. Essa presença em julgamentos nas Turmas é incomum e demonstra a importância do caso. Diferentemente do que ocorre no plenário do STF, nas Turmas, em geral, um subprocurador-geral da República realiza as sustentações.
A expectativa na PGR é de um resumo da denúncia com comentários a críticas feitas pelas defesas. Ninguém espera uma sustentação longa, mas “objetiva”, dado o estilo do procurador-geral.
Depois, os advogados de defesa irão apresentar seus argumentos. Cada um deles terá 15 minutos para sua fala. Como são oito denunciados, essa etapa deve durar duas horas.
Com o fim das sustentações orais, Moraes, que é o relator, apresenta seu voto. Em geral, o voto do relator é o mais longo e detalhado. Neste caso, como em todos os outros casos da esfera criminal, os outros magistrados só terão acesso ao voto de Moraes na leitura em plenário.
A votação dos demais ministros segue a ordem inversa de antiguidade, começando do ministro que está há menos tempo no STF. A exceção é o presidente da Turma – neste caso, Cristiano Zanin. Por isso, a ordem de votação será: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Zanin.
Como parte do esquema especial de segurança, o STF realizou nesta segunda-feira uma varredura antibomba na sala da Primeira Turma. O procedimento foi realizado pela Polícia Judicial e ocorreu no plenário do colegiado, com capacidade de 126 lugares, além de outros locais do prédio de cinco andares que abriga, além da Primeira, a Segunda Turma.
O nível de verificação na entrada do edifício onde ficam as Turmas do Supremo também foi ampliado pela equipe de segurança da Corte. Para isso, mais aparelhos de raio-x foram colocados no hall do prédio e a inspeção será ainda mais rigorosa. Quem for acessar o STF entre esta terça-feira e a quarta com destino às Turmas também passará por uma dupla barreira de entrada. A primeira delas ficará na entrada do STF situada ao lado da Praça dos Três Poderes, e outra do lado de fora do prédio onde ficam os colegiados.
Bolsonaro deverá permanecer em Brasília, em um lugar ainda não definido, durante o julgamento. Alguns aliados acreditam que ele poderá ficar na sede do PL ou em sua casa, com um grupo seleto de amigos. Há ainda convite para que o ex-presidente acompanhe as primeiras leituras da Corte da casa do líder da oposição, deputado Luciano Zucco (PL-RS).
Texto de: Daniel Gullino, Mariana Muniz, Ivan Martinez-Vargas e Patrik Camporez (AG)