SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O senador Marcos do Val (Podemos-ES), 51, anunciou na madrugada desta quinta-feira (2) sua renúncia ao mandato e disse que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou coagi-lo a dar um golpe para seguir no Palácio do Planalto e impedir a posse do então presidente eleito Lula (PT).
“Eu ficava puto quando me chamavam de bolsonarista. Vocês me esperem que vou soltar uma bomba. Sexta-feira vai sair na Veja a tentativa de Bolsonaro de me coagir para que eu pudesse dar um golpe de estado junto com ele, só para vocês terem ideia. E é logico que eu denunciei”, disse o senador.
A declaração foi dada durante uma live em suas redes sociais e também à revista Veja.
Como revelou a Folha de S.Paulo, a Polícia Federal vai intimar o senador a depor na investigação aberta para apurar os ataques golpistas ocorridos após o segundo turno das eleições e que desaguaram nas invasões aos prédios do três Poderes em 8 de janeiro.
Marcos do Val, eleito em 2018 com 863 mil votos para um mandato de oito anos (2019-2027), não deu mais nenhum detalhe nas redes sociais sobre o que teria sido essa pressão do ex-presidente sobre o tema.
Em entrevista à Folha de S.Paulo nesta quinta, ele disse que, após as eleições do ano passado, o deputado federal cassado Daniel Silveira, em uma conversa diante de Bolsonaro, propôs a ele um golpe.
Em linhas gerais, disse, a proposta envolveria gravar alguma conversa que comprometesse o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Do Val afirma que Bolsonaro ouviu a proposta, mas ficou em silêncio e se manifestou apenas ao final do encontro, dizendo que iria pensar.
“[Bolsonaro] só ouviu junto comigo, aí eu fiz os questionamentos. A questão da legalidade, e porque. Aí, na hora de ir embora, a única coisa que o presidente falou foi o seguinte: Vamos pensar”, disse à reportagem.
O senador diz que se recusou a seguir o plano e denunciou o caso a Moraes.
Bolsonaro está nos Estados Unidos desde o final do ano passado e ainda não se manifestou sobre a declaração do senador.
O ex-presidente é alvo de diferentes ações que pedem a sua inelegibilidade por abuso de poder nas eleições e também está mira de apurações sobre os ataques de 8 de janeiro como tendo sido o seu principal incentivador por causa de inúmeras declarações golpistas ao longo do mandato (2019-2022).
Bolsonaro pediu um visto de turista para permanecer mais tempo nos Estados Unidos, onde está desde o fim do ano passado, segundo seus advogados.
Ele afirmou nesta terça-feira que vai ficar mais tempo no país. “Estou há 30 dias aqui, pretendo ficar por mais algum tempo. Não tenho certeza quanto tempo ainda. Estou com muita saudades do meu país.”
Marcos do Val, em suas redes, também escreveu nesta madrugada sobre a sua renúncia ao mandato no Senado, mas sem citar Bolsonaro.
“Após quatro anos de dedicação exclusiva como senador pelo Espírito Santo, chegando a sofrer um princípio de infarto, venho através desta, comunicar a todos os capixabas a minha saída definitivamente da política.”
“Perdi a convivência com a minha família em especial com minha filha. Não adianta ser transparente, honesto e lutar por um Brasil melhor, sem os ataques e as ofensas que seguem da mesma forma. Nos próximos dias, darei entrada no pedido de afastamento do Senado e voltarei para a minha carreira nos EUA.”
“Nada existe de grandioso sem paixão. Essa paixão não estou tendo mais em mim. As ofensas que tenho vivenciado, estão sendo muito pesado para a minha família. Que Deus conforte os corações de todos os meus eleitores. Desculpem, mas meu tempo, a minha saúde até a minha paciência já não estão mais em mim! Por mais que doa, o adeus é a melhor solução para acalmar o meu coração”
Do Val disputou uma eleição pela primeira vez em 2018 e se elegeu com 24,8% dos votos do Espírito Santo. Ele foi eleito na onda de Jair Bolsonaro (PL), que venceu aquele pleito presidencial e fez com que diversos aliados estreantes na política conquistassem vagas no Legislativo.
O senador também costuma dar voz às teses bolsonaristas. No último dia 13, fez críticas ao ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), e acusou o governo federal de permitir as invasões e depredações nas sedes dos Três Poderes.
“Tanto ele como o presidente Lula, sabiam de tudo e deixaram a tragédia acontecer. Pedirei seu afastamento e a sua prisão”, escreveu nas redes sociais. Ele visitou bolsonaristas presos.
Do Val é militar do Exército e ganhou fama como instrutor de agentes de segurança pública e privada, inclusive de outros países. Durante a CPI da Pandemia no Senado, o parlamentar se notabilizou pela defesa enfática do governo Bolsonaro.
Nesta semana, em seu primeiro evento público desde que deixou o Brasil, Bolsonaro afirmou que o novo governo Lula “não vai durar muito tempo”, disse que houve injustiça nos processos dos ataques em Brasília em 8 de janeiro e afirmou que permanecerá no país por mais tempo.
“Pode ter certeza, em pouco tempo teremos notícias. Por si só, se esse governo [Lula] continuar na linha que demonstrou nesses primeiros 30 dias, não vai durar muito tempo”, disse, sem deixar claro se estava se referindo a um eventual processo de impeachment, por exemplo.
Também nesta semana o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), autorizou a Polícia Federal a interrogar o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, sobre a minuta de um decreto para Bolsonaro instaurar estado de defesa no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Uma cópia do documento foi encontrada pela PF há três semanas na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, como revelou a Folha.
Torres, que também foi secretário da Segurança Pública no DF, é alvo de investigação que apura eventual omissão de autoridades públicas sobre os ataques golpistas do dia 8 de janeiro.
O ministro estabeleceu cinco dias de prazo para que a PF cumpra a providência. Procurado por intermédio de sua assessoria, Valdemar não comentou o assunto.
Em entrevista ao jornal O Globo, Valdemar disse que diversos membros e interlocutores do governo Bolsonaro tinham, em suas casas, propostas similares à minuta do golpe.
“Aquela proposta que tinha na casa do ministro da Justiça, isso tinha na casa de todo mundo”, disse, acrescentando que Bolsonaro “não quis fazer nada fora da lei”.