Os generais e ex-ministros Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira chegam à reta final do julgamento da trama golpista na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) com uma situação mais favorável do que no início do processo que tem como figura principal o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A avaliação feita por dois ministros do Supremo e advogados ouvidos pela Folha é que as acusações contra Heleno se mostraram mais frágeis em comparação com as dos demais réus.
Já Paulo Sérgio recebeu testemunhos favoráveis e mudou o curso de sua defesa no decorrer do processo, mas ainda pesa contra ele a atuação agressiva contra o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) durante o processo eleitoral de 2022.
O destino dos dois será conhecido na próxima sexta-feira (12), quando a Primeira Turma do Supremo deve encerrar o julgamento e definir a sentença dos oito réus da trama golpista.
Além de Heleno, Bolsonaro e Paulo Sérgio, são denunciados no processo Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin, a Agência Brasileira de Inteligência), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil).
Augusto Heleno era ministro do Gabinete de Segurança Institucional durante o governo Bolsonaro (2019-2022). Ele é acusado pela PGR de construir a narrativa do ex-presidente contra as urnas eletrônicas.
A principal prova apresentada pela Procuradoria são anotações em um caderno de Heleno que foi apreendido pela Polícia Federal. Os manuscritos do general indicavam a importância de “continuar a criticar a urna eletrônica”.
O advogado Matheus Milanez argumenta que a prova é frágil para condenar o ex-ministro. Ele diz que a investigação não soube dizer a data em que a anotação foi feita nem levou em conta outros trechos do mesmo caderno –como um em que o general sugere que Bolsonaro deveria se vacinar contra a Covid-19.
O foco da defesa de Heleno é mostrar que o general se afastou do centro decisório do governo Bolsonaro em 2021, quando o então presidente se aliou aos partidos do centrão e abriu espaço para os novos governistas no Planalto.
“Quando o presidente Bolsonaro se aproxima dos partidos do centrão e tem sua filiação ao PL, inicia-se sim um afastamento da cúpula do poder. Claro que não existia um afastamento 100%. Mas houve essa diminuição”, afirmou Milanez.
A defesa de Heleno criticou a Polícia Federal por “selecionar a dedo” páginas de um caderno descontextualizadas, sem provas adicionais, para acusar o general.
“Por que a Polícia Federal, junto com o Ministério Público, não trouxe as conversas do general Heleno que [provam que ele] estaria junto na trama golpista? Porque não há, excelências. Papel aceita tudo”, completou o advogado.
Um ministro do Supremo afirmou, sob reserva, que a tese do afastamento de Heleno é questão relevante para entender o papel do general na trama golpista. Outro integrante do tribunal disse à Folha que uma eventual absolvição do ex-ministro pode servir de desagravo às Forças Armadas.
O ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira mudou de estratégia ao longo do processo. Na defesa prévia, o advogado Andrew Fernandes dedicou pequena parte do documento para tratar do mérito da acusação.
Durante os depoimentos das testemunhas e dos próprios réus, Fernandes foi redirecionando a defesa de Paulo Sérgio. Ele tentava mostrar que o ex-ministro da Defesa discordava dos planos golpistas sugeridos por Bolsonaro –posicionando-se ao lado dos ex-comandantes Baptista Júnior (Aeronáutica) e Freire Gomes (Exército).
Baptista Júnior disse, em depoimento, que Paulo Sérgio tentava convencer Bolsonaro a não dar um golpe. “Dessas reuniões, eu tenho uma visão muito passiva do Almirante Garnier. Eu lembro que o Paulo Sérgio, Freire Gomes e eu conversávamos mais, debatíamos mais, tentávamos demover a mais o presidente”, disse.
O tenente-coronel Mauro Cid seguiu a mesma linha. Em sua delação, diz que Paulo Sérgio fazia parte do mesmo grupo do general Freire Gomes. Segundo o delator, eles entendiam que “nada poderia ser feito diante do resultado das eleições, que qualquer coisa em outro sentido seria um golpe armado”.
Com base nos depoimentos, Andrew escreveu em suas alegações finais a palavra “demover” 21 vezes –todas elas no sentido de que Paulo Sérgio atuou para Bolsonaro não avançar com planos golpistas.
Em sustentação oral ao Supremo, o advogado disse que a principal prova de que Paulo Sérgio foi contra a trama golpista é o fato de ele ter sido alvo de ataques de bolsonaristas após as eleições de 2022.
“Qual é a prova dos nove da hipótese acusatória? Que ele fazia parte da organização criminosa para dar um golpe de Estado. Qual é a prova dos nove que o general Paulo Sérgio não fazia parte dessa organização criminosa? Ele sofreu ataques”, disse.
“Segundo a própria acusação, membros dessa organização criminosa estavam lutando para retirar o general Paulo Sérgio, ministro da Defesa, e o comandante do Exército, general Freire Gomes.”
A situação de Paulo Sérgio, porém, não é tão simples. Outra parte da acusação da PGR diz que o general atuou de forma subserviente a Bolsonaro no ataque às urnas eletrônicas, utilizando as Forças Armadas para criar desconfiança sobre o sistema eleitoral.
O ministro Alexandre de Moraes viveu a crise com as Forças Armadas de perto. Ele era o presidente do TSE enquanto Paulo Sérgio, ministro da Defesa, insistia em mudanças no sistema eletrônico de votação.