O número de reclamações por reações adversas após o uso da Colgate Total Clean Mint enviados à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) disparou neste ano: passou de 13 até o dia 19 de março, para mais de 1.200 até 31 de maio.
As vendas da pasta de dentes estão suspensas até agosto pela agência reguladora, após relatos de sintomas como ardência, aftas, inchaço nos lábios e dificuldade para falar ou engolir.
Segundo o Procon-SP, o consumidor pode pedir o reembolso de valores gastos com tratamentos médicos/odontológicos se tiver um relatório, laudo ou declaração de um profissional médico detalhando que a alergia foi causada pelo uso da pasta de dentes. O pedido de restituição pode ser feito administrativamente, no Procon, ou na Justiça. A queixa pode ser registrada na plataforma www.procon.sp.gov.br.
Já eventuais solicitações de danos morais só podem ser discutidas na Justiça, afirmou o órgão de defesa. “Pode ser um diferencial importante um recibo da consulta, nota fiscal dos medicamentos, declaração médica descrevendo o problema, entre outros, caso seja necessário buscar o Judiciário para obter algum ressarcimento, especialmente para pedidos de dano moral”, afirma o órgão.
O advogado Gabriel Britto Silva Ibraci diz que o consumidor tem direito de ser reparado por danos sofridos se não houver “alerta ostensivo e expresso sobre a pasta poder causar alergia em determinadas pessoas, com determinadas características”.
A Colgate afirma que o produto é seguro e analisa individualmente relatos dos consumidores. Os clientes podem contatar a empresa pelo telefone 08007037722, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, ou pelo formulário de contato disponível em www.colgate.com.br/contato.
“O Clean Mint é produzido na fábrica da Colgate-Palmolive Brasil, que tem certificação de boas práticas de fabricação para seus produtos produzidos na planta em São Bernardo do Campo [ABC paulista]. O novo creme dental é resultado de mais de uma década de pesquisa e testes extensivos com consumidores, inclusive no Brasil”, afirma a companhia.
Segundo a Colgate, o creme dental interditado e os demais atendem a todos os requisitos regulatórios da Anvisa.
Biólogo relata problemas com reembolso
BIÓLOGO RECLAMA DE DIFICULDADE PARA RECEBER REEMBOLSO DA PASTA
O biólogo Eurico Cabral de Oliveira, de 85 anos, diz que usava a Colgate Total 12 regularmente antes de comprar a nova fórmula da Clean Mint e começar a sentir inflamações recorrentes na gengiva, que atribuía inicialmente à alimentação.
Ele solicitou à empresa o recolhimento e a troca dos tubos, mas diz que ao longo de quase dois meses recebeu emails padronizados, que redirecionavam a formulários que solicitavam dados repetidos.
Após contato da reportagem, a Colgate enviou à casa do cliente cinco tubos da linha Sensitive, voltada para pessoas com dentes sensíveis, mas não recolheu os tubos da Total Clean Mint.
Em nota, a Colgate afirma que cada relato dos consumidores é tratado com atenção. “Seguimos em colaboração contínua com a Anvisa para o avanço das investigações técnicas sobre o creme dental Colgate Total Prevenção Ativa Clean Mint junto à agência. Reafirmamos ainda a segurança e qualidade do produto, o qual segue os rígidos padrões das agências regulatórias”, diz.
Alergias a outras versões da pasta
CONSUMIDORES RELATAM ALERGIA A OUTRAS VERSÕES DA PASTA
Na internet, consumidores apontam reações alérgicas a outras versões da linha Total, como Carvão Ativado, Whitening e Fresh Mint.
No Reclame Aqui, uma cliente de Palmas (TO) diz que começou a usar a Colgate Total Carvão Ativado no dia 20 de maio, e que no mesmo dia passou a sentir sensibilidade na gengiva.
“No dia 24, a parte interna dos meus lábios estava inchada e com bolhas, como se fossem queimaduras. Decidi ficar três dias sem usar o creme dental. Hoje foi o terceiro e é como se as bolhas tivessem estourado e criado uma rachadura. Fiquei tão assustada, tenho um filho de sete anos, ele usou o mesmo creme dental, e ao redor da boca dele está cheio de caroços”, diz no site.
Uma consumidora de Nova Mutum (MT) afirma que teve alergias com a Colgate Clean Mint e suspendeu o uso após saber da interdição, mas que substituiu pela versão Whitening e teve problemas parecidos. “É como se a pasta tivesse um ácido que corroesse a gengiva. E a única medida que estão tomando é a lenta interdição de uma das muitas pastas que estão causando o problema”, afirma.
Procurada pela reportagem para responder a estas reclamações, a empresa reconhece que algumas pessoas podem apresentar reação ao ingrediente, mas afirma que, assim como ocorre com qualquer creme dental, há pessoas sensíveis a sabores, corantes, tensoativos ou outros componentes presentes na fórmula.
Todas as versões da nova fórmula da linha Colgate Total, lançada em julho de 2024, têm fluoreto de estanho, substância inicialmente apontada pela empresa como a causa das reações alérgicas. A Colgate reafirma que o ingrediente é seguro e autorizado por órgãos reguladores, ao passo que a Anvisa diz que as demais variantes não foram interditadas porque não apresentaram o mesmo padrão de relatos.
A Anvisa diz que a causa-raiz para as alergias não é, necessariamente, o fluoreto de estanho, mas sim outros ingredientes da formulação, como “aromatizantes à base de óleos essenciais, que são reconhecidos como potencialmente alergênicos, corantes e outros aditivos usados para melhorar a palatabilidade do fluoreto de estanho”. O órgão também considera que as reações podem surgir das interações entre múltiplos componentes da formulação.
Casos em outros países
CASOS EM OUTROS PAÍSES
A dermatologista americana Keri Chaney, professora-assistente do Medical College of Wisconsin (EUA), diz que recebeu em seu consultório há alguns anos uma paciente com feridas nos lábios. “Ela teve melhora ao suspender o uso da pasta de dente com fluoreto de estanho. Meses depois, ao voltar a usá-la por engano, apresentou os mesmos sintomas”, afirma.
Segundo Chaney, os casos são raros, mas provavelmente subnotificados e subdiagnosticados. “Nos Estados Unidos, não é um ingrediente amplamente usado, o mais comum é o fluoreto de sódio, e poucos dermatologistas fazem testes de contato com estanho”, diz.
O caso levou à publicação de um artigo científico e, desde então, outros pesquisadores -especialmente na Europa- documentaram reações semelhantes. Os sintomas mais comuns, segundo Chaney, incluem queilite -uma inflamação nos lábios que os deixa ressecados, inchados e escamosos- e sensibilidade bucal, com dor e vermelhidão nas mucosas. Em casos mais graves, há relatos de inchaço no rosto e urticária.
De acordo com a médica, pessoas com histórico de eczema, dermatite atópica ou pele sensível podem ter maior predisposição, mas a alergia pode surgir em qualquer indivíduo. “Se alguém começou a usar um novo creme dental e passou a apresentar sintomas como dor, coceira ou lesões na boca, o ideal é trocar por uma fórmula com fluoreto de sódio e observar se há melhora”, diz.
Já Gunnar Johannsen, doutor em toxicologia e professor no Departamento de Medicina Dentária do Instituto Karolinska, na Suécia, diz que não conhece nenhuma evidência que relacione o fluoreto estanoso a reações alérgicas. “No entanto, para estabilizar o fluoreto estanoso, são necessários outros ingredientes, que podem interagir com o estanho”, afirma.
O CFO (Conselho Federal de Odontologia) diz que o fluoreto de estanho é utilizado em cremes dentais há mais de 30 anos, sendo considerado seguro. No caso de reações alérgicas, o comitê orienta a suspensão imediata do uso do produto e comunicação ao fabricante.
“Os casos que reportaram efeito adverso devem ser investigados detalhadamente para exploração de possíveis causas. O monitoramento e regulação da concentração de componentes químicos em produtos de higiene bucal são de competência dos órgãos de vigilância em saúde.”
GABRIELA CECCHIN