SÃO PAULO, BRASÍLIA, RIO E CASCAVEL (AG) – Enquanto as investigações sobre a queda do ATR 72-500 da Voepass em Vinhedo (SP) avançam e os corpos das 62 vítimas começam a ser entregues aos parentes, um vídeo e documentos internos aos quais O GLOBO teve acesso mostram que houve denúncias recentes de funcionários de problemas em aviões da companhia.
Os três incidentes, entre dezembro e fevereiro, foram uma falha no sistema de prevenção de degelo, defeito que é uma das hipóteses para o acidente de sexta-feira, uma explosão e fumaça no motor, em três diferentes aeronaves. A empresa não comentou as falhas.
Em fevereiro, um funcionário relatou em uma mensagem a um superior avarias num turboélice ATR-42 que fazia voos da rota Fortaleza-Fernando de Noronha-Natal. Uma das avarias seriam dois rasgos no sistema de proteção contra congelamento da asa, uma cobertura de borracha que expele cristais de gelo. Na denúncia, o tripulante relatou que o avião fez desvios e curvas e, ao perguntar o motivo, ouviu que era para desviar de áreas de formação de gelo.
O funcionário relatou que ouviu dos colegas que o avião também estava com um dos quatro freios quebrados, o pneu estava com uma “bolha” de 6 centímetros de espessura, correndo o risco de estourar no pouso, e a porta da aeronave também tinha um vão suficiente para passar uma mão. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) confirmou que o aparelho foi retirado de circulação para ter itens de segurança ajustados, depois que falhas foram constatadas em 7 de maio. O avião voltou a operar depois dos ajustes, segundo a agência.
Outro problema denunciado internamente, e dessa vez registrado em vídeo, foi a labareda que saiu do motor de um ATR-62 600 durante uma decolagem no aeroporto de Araguaína (TO), em 4 de dezembro de 2023. A labareda foi provocada por uma interrupção ou desordenação do fluxo de ar nos dutos do motor do avião. O voo foi cancelado. O avião hoje está no hangar da companhia, em Ribeirão Preto, para manutenção programada.
Em outro caso, em 29 de janeiro, o comandante de um ATR – 72 relatou um vazamento de óleo, que provocou fumaça, sem que houvesse sinal de alerta no painel de controle da aeronave. O avião estava em solo, no Aeroporto de Campina Grande, e depois de desembarcarem, os pilotos constataram que a fumaça teria sido causada por um vazamento de óleo perto da hélice.
Os problemas internos se somam a novos relatos de clientes da Voepass de que o atendimento de passageiros no avião que caiu em Vinhedo estava confuso no dia do desastre. Fernando Morais, de 28 anos, contou em vídeo que embarcou por engano no avião que sofreu o acidente, mas em Guarulhos. “No portão de embarque, uma das funcionárias pegou o nosso bilhete, não pediu documento e disse que estava sem sistema”, afirmou Fernando Morais, de 28 anos, no vídeo.
Morais disse que entrou no avião com a esposa e o filho de 1 ano e eles levaram cerca de meia hora até perceberem que o aparelho não iria para Rio Verde (GO), como pensavam, mas para Cascavel. Foi na volta de Cascavel que houve o acidente. Ele começou a desconfiar que estava no voo errado quando constatou que os assentos que comprou estavam ocupados.
Um laudo preliminar da Polícia Federal sobre o local do acidente deve ficar pronto até sexta-feira. O documento trará o resultado da perícia feita em cima de objetos encontrados em meios aos escombros, como celulares, notebooks e malas. A PF planeja tomar o depoimento dos donos da companhia aérea, da equipe de manutenção das aeronaves da Voepass, dos operadores das torres de comando e de testemunhas da queda.
Os depoimentos devem ser tomados após a PF ter acesso aos áudios das caixas-pretas do avião. O material foi extraído pela equipe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), vinculado à Força Aérea Brasileira.
A Voepass voltou a operar a rota aérea de Cascavel (PR) a Guarulhos (SP) após a queda do bimotor de passageiros modelo ATR-72, em Vinhedo, no interior de São Paulo, na sexta-feira passada. O presidente da companhia, José Luiz Felício Filho, divulgou ontem um vídeo para falar sobre a assistência que a companhia está prestando aos parentes das vitimas do acidente.
– Temos um grupo de psicólogos e médicos no centro de acolhimento às famílias que montamos em São Paulo e outros psicólogos em outros centros pelo país – disse Felício, acrescentando que a empresa está arcando com gastos referentes a hospedagem, alimentação e translado das vítimas.
O transporte do corpo das vítimas já identificadas para os funerais começou ontem quando um avião da FAB decolou da base aérea de São Paulo, no Aeroporto de Guarulhos, com os corpos de três dos passageiros, rumo a Cascavel e a Pelotas (RS). Antes do embarque, os caixões foram colocados lado a lado em um galpão da base aérea para uma curta cerimônia, que teve a presença de um padre e um pastor evangélico. Até a noite de ontem, já haviam sido identificadas 45 vítimas, e 27 delas foram liberadas para serem veladas.
O velório coletivo programado em Cascavel para as vítimas não deverá acontecer. Parentes de ao menos, 18 dos 27 passageiros que eram da região recusaram a estrutura oferecida pela prefeitura para o funeral, e optaram por velórios particulares ou em outras cidades.
O presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, Confúcio Moura (MDB-RO), afirmou que vai cobrar do governo a indicação de um nome para a presidência Anac. Segundo Confúcio, a interinidade prolongada do diretor Tiago Sousa Pereira, que há mais de um ano responde pelo cargo, soa como descaso.
– Vou me reunir com integrantes da Casa Civil e pedir uma definição. Acho complicado não ter uma pessoa de modo efetivo no cargo nesse momento – disse Moura.
Pereira tem mandato até 2026. Ele assumiu o cargo de presidente interino em abril de 2023, quando Juliano Noman deixou o cargo para ser secretário de Aviação Civil no Ministério de Portos e Aeroportos na gestão do ex-ministro Márcio França.
*Os três incidentes
4 de dezembro
Uma labareda que saiu do motor de um ATR-62 600 durante uma decolagem no aeroporto de Araguaína (TO). A labareda foi provocada por uma interrupção ou desordenação do fluxo de ar nos dutos do motor do avião e o fogo foi registrado em vídeo. O voo foi cancelado. O avião hoje está no hangar da companhia, em Ribeirão Preto, para manutenção programada.
29 de janeiro
O comandante de um ATR 72 relatou em comunicado um vazamento de óleo, que provocou fumaça, sem que houvesse sinal de alerta no painel de controle da aeronave. O avião estava em sol,em Campina Grande, e depois de desembarcarem, os pilotos constataram que a fumaça teria sido causada pelo vazamento.
13 de fevereiro
Um funcionário relatou avarias num turboélice ATR-42 que fazia voos da rota Fortaleza-Fernando de Noronha-Natal em que estava. Uma das avarias seriam dois rasgos no sistema de proteção contra congelamento da asa. Outras seriam um freio quebrado, o pneu com uma “bolha” e um vão na porta da aeronave onde passaria uma mão .
*Também participaram da cobertura Eduardo Gonçalves, Geralda Doca, Guilherme Queiroz, Luis Felipe Azevedo, Cícero Bittencourt, especial para O GLOBO.
Texto de: Mariana Barbosa*