Em 2025, pela primeira vez, o Brasil sediará a Conferência das Partes (COP30), o evento climático mais importante do mundo. A COP é o espaço onde governos, cientistas e a sociedade civil se reúnem para discutir soluções globais para a crise climática. No entanto, as vozes dos territórios mais impactados pela destruição ambiental continuam sendo marginalizadas desses debates.
Foi para mudar essa lógica que nasceu a Mobilização dos Povos pela Terra e pelo Clima, uma articulação da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), que busca garantir a participação ativa de povos da floresta, movimentos sociais e comunidades tradicionais antes, durante e depois da COP30 — fortalecendo sua incidência a partir dos próprios territórios.
Escuta territorial e incidência concreta
Como parte dessa mobilização, 18 rodas de conversa foram realizadas em cinco estados da Amazônia Legal — Pará, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso e Roraima — reunindo 964 participantes, com ampla maioria de mulheres lideranças (72,5%). Os encontros aconteceram em localidades como Santarém, Ananindeua, Afuá, Marabá, Paulino Neves, Araguaína, Bacabal, Cuiabá, entre outras.
Dessas escutas coletivas nasceu a Carta de Demandas: Vozes do Território da Amazônia para a COP30, entregue ao Enviado Especial da ONU para a COP30, Joaquim Belo, e que será apresentada como contribuição às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) do Brasil.
Segundo a irmã Irene Lopes, secretária executiva da REPAM-Brasil, a iniciativa tem como foco a democratização do debate climático:
“A cartilha ‘ABC das COPs’ foi o ponto de partida das rodas de conversa. Ela explica o que é a conferência do clima da ONU e por que a COP30 é tão importante. Essa agenda costuma ficar restrita a salas de reunião e a grupos privilegiados. Com as rodas, tiramos essa discussão desses espaços e levamos para quem mais sente os efeitos da crise: as comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombolas, pescadoras e extrativistas. A carta nasce dessa escuta real e enraizada.”
A força das rodas de conversa nos territórios
A metodologia das rodas de conversa, realizadas em cinco estados da Amazônia Legal, foi o coração do processo de escuta popular que deu origem à Carta de Demandas. Ao todo, foram 18 encontros em comunidades urbanas, rurais, ribeirinhas e quilombolas do Pará, Tocantins, Maranhão, Roraima e Mato Grosso — com destaque para cidades e municípios como Santarém, Ananindeua, Marabá, Paulino Neves, Araguaína, Bacabal, Afuá, Cuiabá, entre outros.
Um dos momentos marcantes foi a roda de conversa no Quilombo Catucá, realizada em 4 de junho, na zona rural da Diocese de Bacabal (MA). Mobilizada pelas mulheres do território, em parceria com a irmã Alessandra e com apoio da REPAM-Brasil, a roda aconteceu em articulação com a Escola Quilombola Catucá. O encontro fortaleceu o protagonismo das mulheres negras na luta pelo bem viver e reuniu partilhas profundas sobre os efeitos das mudanças climáticas, a escassez de água e as dificuldades enfrentadas no cultivo de hortaliças, afetadas pelo calor extremo.
Durante a atividade, Arlete Gomes, coordenadora de projetos da REPAM, acompanhou as mulheres quilombolas em visitas aos quintais produtivos da comunidade:
“Foi emocionante ver como essas mulheres resistem todos os dias às mudanças do clima. Elas plantam, colhem, cuidam da terra, mesmo com o calor castigando as hortas e a água ficando mais escassa. É desse chão, desses corpos-territórios, que surgem as propostas mais potentes para a COP30.”
Arlete destaca que a legitimidade da carta está enraizada nesse processo:
“Toda a comunidade participou: crianças, jovens, anciãos, donas de casa, produtoras. As cartas foram escritas à mão, desenhadas. Elas são o espelho dos territórios mais distantes da Amazônia. Recebemos muitas falas dizendo: ‘a carta me representa’. Isso mostra que a escuta foi real.”
Para ela, o método foi mais que um instrumento de consulta — foi também um gesto político de devolução de voz:
“As rodas permitiram capilarizar o debate climático e integrar os povos da floresta à agenda global com afeto, sabedoria e incidência concreta.”
Justiça climática começa onde a floresta vive
O documento denuncia que as mudanças climáticas já afetam profundamente a vida nas comunidades: doenças respiratórias causadas pela fumaça das queimadas, escassez de alimentos, secas severas, contaminação de rios e avanço de doenças infecciosas são apenas alguns exemplos.
A carta também alerta para os impactos das grandes obras de infraestrutura, como a construção e ampliação de rodovias federais (como a BR-319 e BR-163), que colocam comunidades inteiras em risco e aceleram o desmatamento. O avanço desses empreendimentos sem consulta prévia às comunidades viola direitos constitucionais e amplia a vulnerabilidade dos povos tradicionais diante da crise climática.
Propostas prioritárias da Carta de Demandas:
- Criação de planos emergenciais para enfrentar secas, fumaça e queimadas;
- Moratória de obras de infraestrutura sem consulta prévia às comunidades;
- Proteção de defensoras e defensores ambientais;
- Acesso universal à água potável e ar puro como direitos inegociáveis;
- Incentivo à agroecologia como estratégia de mitigação e autonomia;
- Participação efetiva dos povos da Amazônia nas políticas climáticas.
Compromisso com o território
A escolha de Joaquim Belo para receber a carta carrega um simbolismo profundo. Líder extrativista com longa trajetória na defesa das comunidades tradicionais da Amazônia, ele atua hoje como secretário de Formação e Comunicação do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), organização que presidiu por três mandatos. Sua presença como enviado especial da COP30 representa não apenas uma missão institucional, mas também o compromisso de alguém que vem do próprio território e entende, na pele, o que está em jogo.
“Foi nesse chão que aprendi o que é ser solidário — com a natureza, com o povo, com a vida. A carta expressa isso com força: o valor da floresta, da biodiversidade e de quem cuida. A gente sente isso na pele. Essa floresta cuida de todos nós. Esse rio cuida de todos nós. E esse ambiente, hoje, está sendo maltratado.”
Ele reforçou que essa luta exige alianças com a natureza e responsabilidade com o futuro:
“Sempre digo que a gente precisa caminhar junto com a diversidade, com a floresta, com os rios. Eles estavam aqui antes de nós — e precisam continuar existindo para as próximas gerações. Essa é a responsabilidade que levamos à COP30: apontar soluções reais, em nome do que nos antecede e do que virá.”
E concluiu com um compromisso firme:
“Vou fazer dela um bom uso naquilo que couber pra defender. Quero que vocês acreditem nisso. É o que fiz a minha vida toda.”
Uma COP30 com raízes nos territórios
A entrega da Carta de Demandas: do Território da Amazônia para a COP30 marca um passo decisivo para uma COP com raízes nos territórios e olhos voltados para o futuro. Porque justiça climática não se escreve de cima para baixo — ela se constrói com quem nunca deixou de resistir.