Uma petição online contra a lei que proíbe o uso de celular em escolas públicas e privadas de todo o país atingiu quase 1,5 milhão de assinaturas em uma semana no site Petição Pública. A norma já vale para este ano letivo, iniciado nos últimos dias em grande parte das unidades de ensino.
O texto reconhece que o uso excessivo de telas tem impactos significativos na saúde mental e física e no desenvolvimento social, mas que a proibição total é “uma resposta comum” e que ignora o potencial de aprendizado da tecnologia. Além de criticar a falta de infraestrutura das escolas que terão de implementar a proibição sem recursos para enfrentar os problemas decorrentes da proibição.
A petição propõe uma substituição da lei 15.100/2025 por uma “regulamentação pedagógica”. O uso continuaria restrito em sala de aula, ao não ser pelo seu uso pedagógico -tal qual a lei federal-, mas seria liberado no resto das dependências da escola.
Também prevê atividades de educação digital, como conscientização sobre vício em tecnologia, combate ao cyberbullying e identificação de fake news e golpes.
Procurado, o MEC (Ministério da Educação) destacou que a lei não proíbe totalmente o uso de celulares nas escolas, mas restringe seu uso durante aulas, recreios e intervalos apenas para fins pedagógicos com autorização do professor ou para casos de acessibilidade, saúde e segurança.
“A legislação surge em resposta ao crescente debate sobre o uso desses aparelhos nas escolas, que gera grande preocupação a especialistas e à população em geral, devido aos impactos negativos no aprendizado, na concentração e na saúde mental dos jovens. Cabe a cada uma das redes de ensino e escolas, públicas e privadas, definir suas próprias estratégias de implementação até o início do ano letivo”, disse o ministério.
A petição ganhou tração nas redes sociais, principalmente no Tiktok, graças ao autor, influenciador e professor Luís Tonelotto Rodrigues. Seu perfil Olha Professor conta com 4 milhões de seguidores na plataforma de vídeos.
À reportagem Luís conta que está surpreso com o número de assinantes e que isso só reforça a insatisfação dos jovens. “Por que uma petição que continua restringindo o celular ganha tanto apoio? A criança e o adolescente se sentem sem voz numa política que impacta diretamente suas vidas.”
Os malefícios das telas não são exclusivos para os jovens, continua. “A sociedade, como um todo, precisa de educação digital, e o caminho da proibição é o pior possível. Você gera revolta na molecada, não ensina nada e a responsabiliza por um problema que é de todos nós.”
Luís reconhece que sua proposta tem contradições, como criticar a falta de infraestrutura das escolas ao mesmo tempo em que se apoia nela para exigir aulas de educação digital. Ou como a “não utilização” do celular na aula, como descreve a petição, já era o “modus operandi” ineficiente das escolas no passado.
Porém, para ele, a proibição compartilha desses problemas. “A lei federal não vai mudar em nada a situação dos celulares nas escolas. Já não podia mexer em aula antes e o uso só aumentava. O cerne da minha proposta é a educação. Vai ser algo demorado e que dependerá de investimentos, mas definitivo”.
Junto com a petição, Luís protocolou pedidos pela substituição da atual lei por sua proposta no MPF (Ministério Público Federal) e no MEC, bem como enviou a proposta para alguns parlamentares, como Erika Hilton (PSOL).
A única resposta que recebeu até agora é do MPF, que, segundo Luís, reconheceu se tratar de um “inconformismo”, mas que não podia lutar contra uma lei já aprovada pelo Congresso -com apoio da base do governo e da oposição.
ESPECIALISTAS EM TECNOLOGIA E NEUROCIÊNCIA CONCORDAM COM LEI
O sucesso da petição atraiu atenção. Não é raro ver Luís reclamando de ataques pessoais ou respondendo críticas, inclusive de colegas de profissão, em seu perfil. Também não é difícil ver jovens republicando a petição ou gravando vídeos para angariar mais assinaturas.
Rebeca, 15, é uma estudante do ensino médio de Cuiabá e usou seu perfil do Tiktok -com quase 250 mil seguidores- para divulgar a petição. “Já estudei em escola que proibia. Sei como é ruim e ninguém respeitava”, diz. Seu vídeo passou das 300 mil visualizações.
A legislação federal restringe apenas o uso, seja nas aulas, recreios e intervalos. Ou seja, a posse do aparelho dentro da escola não está vetada.
A nova regra satisfazem os especialistas. “Embora respeite a visão da petição sobre a tecnologia nas escolas, é importante compreender que a lei federal busca, acima de tudo, proporcionar um ambiente mais saudável e focado no aprendizado dos estudantes”, diz Alexandra Lorandi, professora de Mídias e Tecnologias da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
“Ao contrário do que possa parecer, a restrição do uso de celulares nas escolas não é um ataque à educação digital, mas pode ser vista como um primeiro passo para reorganizar as práticas escolares e colocar em pauta a responsabilidade de todos no uso das tecnologias”, argumenta.
Com ela concorda Cláudio Lúcio Mendes, professor na Universidade Federal de Lavras e pesquisador das interrelações entre educação e neurociência. “A lei baseia-se em muitos estudos a mostrarem que o atual uso de celular por crianças e jovens produz problemas de saúde, de atenção e memória, de entendimento de conceitos, diminuindo o tempo de estudo e convívio social, comprometendo o desempenho escolar.”
Para Mendes, quanto menos tempo diante das telas, mesmo que seja 30 minutos de intervalo, melhor.
Ele também aponta que o texto que acompanha a petição foi mudado desde que foi publicado -a atual versão tem críticas mais comedidas sobre os docentes, escolas e famílias. Isso pode ser comprovado pelo site InternetArchives, que permite visualizar versões antigas de páginas da web.