Reinaldo José Lopes
FOLHAPRESS
Os primeiros seres humanos que chegaram à Amazônia podem ter encontrado um habitante portentoso nos grandes rios da região: uma tartaruga cuja carapaça média era de cerca de 1,80 m. Tudo indica que a Peltocephalus maturin, cuja descoberta acaba de ser anunciada nesta quarta (13) por uma equipe internacional de cientistas, foi a última dos cágados gigantes amazônicos, tendo desaparecido no final do Pleistoceno (a Era do Gelo).
A possibilidade de convivência do bicho com o Homo sapiens ainda é objeto de discussão. O que se pode afirmar com razoável grau de certeza é que o supercágado viveu há menos de 40 mil anos, levando em conta a idade dos sedimentos de onde vem o fóssil, numa área de garimpo de ouro no rio Madeira, em Rondônia.
Como os restos do animal (por enquanto, apenas um dentário, ou pedaço da mandíbula) foram encontrados pelos próprios garimpeiros, não há certeza sobre onde eles estavam nas camadas de sedimentos e, portanto, sobre sua idade.
Restos de madeira carbonizada na parte mais baixa das camadas do garimpo têm uma datação entre 46 mil e 21 mil anos antes do presente. Já uma datação feita a partir do próprio osso produziu idades entre 14 mil e 9.000 anos atrás.
Essa segunda faixa de idades bateria com a chegada de ancestrais dos atuais povos indígenas ao território amazônico, mas o estado de preservação do fóssil e as condições ambientais do entorno poderiam estar influenciando o resultado, “rejuvenescendo” a amostra de modo enganoso.
Seja como for, a espécie apresentada em artigo no periódico especializado Biology Letters é um acréscimo impressionante à fauna brasileira da Era do Gelo. O tamanho do bicho foi estimado com base no dentário, que por si só já mede quase 30 cm. Detalhes anatômicos da estrutura óssea permitem classificar o animal como membro do gênero Peltocephalus, o mesmo de uma espécie que existe até hoje nos rios da região Norte. Trata-se da tartaruga-de-cabeça-grande-do-amazonas, também conhecida popularmente como “cabeçudo”.
A equipe da pesquisa, que tem como primeiro autor Gabriel Ferreira, da Universidade de Tübingen, e inclui ainda Max Langer, da USP de Ribeirão Preto, Mario Cozzuol, da UFMG, e outros cientistas, resolveu homenagear personagens de ficção ao batizar o bicho. Maturin é o nome de uma tartaruga cósmica da obra do escritor americano Stephen King e, por sua vez, deve seu nome ao personagem Stephen Maturin, médico e naturalista que conhece as tartarugas-gigantes das ilhas Galápagos nos romances de aventura naval do escritor britânico Patrick OBrian.
Na atual bacia do Amazonas, a recordista de tamanho é a Podocnemis expansa, ou tartaruga-da-amazônia, cujo casco não ultrapassa 1,1 m de comprimento. A P. maturin, que chegava perto dos 2 m, tem um dentário que sugere uma alimentação onívora, diferentemente de suas primas atuais na região amazônica, que são predominantemente herbívoras.
Em épocas mais remotas, o grupo das tartarugas chegou a ter representantes ainda maiores na área. O mais estupendo, como o próprio nome científico sugere, foi a Stupendemys geographica, presente no Acre, na Venezuela e na Colômbia, cuja carapaça se aproximava dos 3 m de comprimento e desapareceu por volta de 5 milhões de anos atrás.
No estudo, os pesquisadores especulam sobre uma possível relação entre o fim da P. maturin e a chegada dos seres humanos à Amazônia. Isso porque extinções de tartarugas de grande porte aconteceram diversas vezes durante os milênios de expansão da nossa espécie pelo planeta. Por ora, entretanto, não há nenhuma evidência direta de que ancestrais dos indígenas e o upercágado tenham convivido, ou que pessoas tenham devorado o bicho em algum momento.