Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) feita pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) ainda em maio para reduzir a jornada máxima de trabalho para 36 horas semanais e quatro dias na semana está rendendo debates intensos e acalorados nas redes sociais desde a semana passada. Na prática, a iniciativa visa extinguir o modelo atual de 44 horas semanais, a dita “escala 6×1”, que prevê seis dias de trabalho de oito horas diárias, com possibilidade de duas horas extras por dia, para apenas um de descanso, muito comum no setores de serviços, supermercadista e saúde, dentre outros.
O texto ainda não foi apresentado à mesa diretora da Câmara dos Deputados porque precisa ter o apoio de 171 dos 513 deputados – e só assim pode se tornar uma PEC, que ainda precisaria passar posteriormente pela Comissão de Constituição e Justiça da casa, comissão especial e votação em plenário. Até a data de ontem, a assessoria da parlamentar informava que já havia 134 adesões, e com a discussão tomando conta das plataformas digitais, está havendo muita pressão para que outros deputados, até então em silêncio sobre o assunto, se posicionem sobre. Enquanto alguns defendem o benefício de maior qualidade de vida e bem-estar para os empregados, outros apontam possíveis complicações na gestão de escalas e aumento de custos para as empresas.
Da bancada do Pará, quatro já assinaram e inclusive ontem divulgaram em suas redes sociais a defesa ao debate: Elcione Barbalho e Keniston Braga, os dois do MDB, Airton Faleiro e Dilvanda Faro, ambos do PT. Os outros 13 permaneceram calados até o fechamento desta reportagem. O PT e o PSOL concentram as assinaturas favoráveis ao texto, enquanto que a direita ainda participa timidamente – apenas um deputado do PL, por exemplo, é signatário da possível PEC.
A iniciativa de Erika Hilton nasceu de uma mobilização do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que ganhou força nas redes e soma mais de 1,5 milhão de assinaturas em um abaixo-assinado que pede à Câmara dos Deputados a revisão da escala 6×1.
Em entrevista ao jornal O Globo, ela afirmou que o desenho inicial não quer cravar um modelo exato, mas provocar a discussão no parlamento sobre a jornada de trabalho dos brasileiros. A deputada quer marcar uma audiência pública na Câmara para debater o tema e buscar um consenso sobre a questão. Ela defende que a mudança é necessária para adaptar as leis trabalhistas às novas demandas sociais e promover um ambiente de trabalho mais saudável e equilibrado.
Não é a primeira vez que propostas do tipo chegam ao Congresso, mas as propostas que conseguiram assinaturas suficientes para chegar à mesa diretora nunca foram colocadas na pauta de votação do plenário. Acabaram arquivadas ou simplesmente foram paralisadas. Caso consiga chegar à votação, PEC de Hilton precisa de 308 votos para passar na Câmara. Já no Senado, o texto precisa da aprovação de 49 senadores. Alcançadas essas votações, a nova regra entraria em vigor em até 360 dias.
No abaixo-assinado que deu origem à mobilização, o VAT defende que a escala 6×1 é “abusiva” e afeta “negativamente a qualidade de vida dos empregados, comprometendo sua saúde, bem-estar e relações familiares”. Nem a Constituição Federal e nem a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, mencionam modelos específicos de escalas de trabalho. Ou seja, não há restrição ou definição explícita das modalidades. Em entrevista ao UOL concedida ainda na segunda-feira, Erika Hilton declarou acreditar que terá as 171 assinaturas até o fim desta semana.
A proposição brasileira acompanha uma tendência global em prol de jornadas reduzidas. Em estudo realizado no Reino Unido, que adotou o regime de quatro dias de trabalho, 39% dos trabalhadores relataram menos estresse, enquanto 71% apresentaram redução de sintomas de burnout. Empresas também reportaram vantagens, como menor rotatividade de funcionários e pequeno aumento de receita.
Além do Reino Unido, outros países como Portugal, Islândia, Espanha, Alemanha e Bélgica têm experimentado ou aprovado modelos de jornada semanal reduzida, em busca de ganhos na produtividade e na qualidade de vida dos trabalhadores.