TULIO KRUSE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Ouvidoria das Polícias identificou dez mortes decorrentes de intervenção policial em Guarujá, no litoral paulista, desde sexta-feira (28), quando teve início uma megaoperação das forças de segurança na Baixada Santista. A ação é uma resposta à morte de um soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, força de elite da PM paulista), na mesma cidade, na última quinta (27), em um crime que gerou comoção entre policiais.
O autor do disparo que matou o soldado foi capturado na noite deste domingo, na zona sul da cidade de São Paulo, informou o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), pelo Twitter. “Três envolvidos já estão presos”, escreveu o governador. “A justiça será feita. Nenhum ataque aos nossos policiais ficará impune”, concluiu.
O número de mortos pode chegar a 12, segundo o ouvidor, Cláudio Aparecido da Silva. Os nomes dos mortos não foram divulgados oficialmente. Moradores de Guarujá também relataram que policiais militares torturaram e mataram ao menos um homem, e prometeram assassinar 60 pessoas em comunidades da cidade.
A SSP (Secretaria da Segurança Pública) disse que até agora não constatou abusos policiais e que todas as denúncias serão investigadas.
A Operação Escudo, que vai durar um mês, envolve agentes de todos os 15 batalhões de operação especiais do estado. São cerca de 3.000 PMs, além de pelotões do Choque e do efetivo local.
Na noite de sexta-feira, vendedor ambulante Felipe Vieira Nunes, 30, foi morto com nove tiros. Moradores da favela da Vila Baiana, próximo à praia da Enseada, dizem ter ouvido os gritos da sessão de tortura.
A família encontrou queimaduras de cigarro, além de um ferimento na cabeça e um corte no braço. A Folha ouviu esses relatos de dois familiares da vítima, e as informações foram confirmadas pela ouvidoria.
Por volta das 21h, Nunes disse ao irmão que ia sair de casa para comprar cigarro. Por volta das 23h, vizinhos ligaram para a família para avisar que haviam ouvido gritos, suplicando para não morrer, e tiros. Minutos depois, teriam visto o corpo de Nunes ser jogado no porta-malas de uma viatura da PM.
O ambulante informou à família que sairia de casa pois estava ciente de um aviso da polícia à comunidade de que pessoas com passagem na polícia ou com tatuagem seriam mortos. Esse aviso foi confirmado por dois moradores ouvidos pela reportagem.
Nunes já havia sido detido por roubo, mas segundo três pessoas ouvidas pela Folha tinha abandonado o crime e se tornado vendedor ambulante. Ele estava há uma semana morando sozinho, após ficar por três meses na casa de um casal que aceitou acolhê-lo na Vila Baiana.
No sábado, após ele ser morto, a família encontrou um chinelo de Nunes dentro de um barraco desocupado na mesma viela onde ele morava. A porta estava trancada e o chão tinha marcas de sangue. Moradores e familiares dizem acreditar que foi ali que ele teria sofrido as queimaduras de cigarro e gritado, já ferido, para que não fosse executado.
O corpo foi entregue ao IML (Instituto Médico Legal) sem identificação. A família o encontrou após ser avisada da morte, e ele foi reconhecido pela impressão digital dos dedos. Os parentes não foram autorizados a ver o corpo, e só viram as marcas que sugerem tortura ao recebê-lo para o velório.
A família diz, ainda, que a última visualização em seu número de celular ocorreu às 0h16 de sábado. O corpo sem vida teria sido visto no camburão da polícia, porém, por volta das 22h. Uma parente de Nunes diz que foi informada na delegacia que não havia sido apreendido nenhum celular nem a chave do carro, que a família também deu falta.
O boletim de ocorrência do caso diz que dois policiais da Rota estavam trabalhando em uma operação na Vila Baiana quando viram um homem, a pé, que mudou de direção ao avistá-los. Ele teria levado a mão à cintura, fazendo menção de sacar uma arma, e entrado em um barraco da favela, disseram os policiais.
Os dois PMs teriam ido em direção à casa e, ao chegar próximo ao portão, o homem teria atirado em direção a eles. Em seguida, diz o boletim, o sargento André Felipe Quintino Danielli teria disparado seis tiros contra o homem, e o soldado Rodrigo França Lourenço três tiros. Os policiais alegam que apreenderam uma pistola Glock e uma mochila com 526 porções de maconha com ele.
O documento não identifica Nunes, mas o boletim foi entregue à família na delegacia.
ÓRGÃOS DE DIREITOS HUMANOS VÃO DISCUTIR DENÚNCIAS
Uma reunião com seis órgãos ocorre na tarde deste domingo para discutir as denúncias de abusos da PM em Guarujá. O encontro tem a participação da Ouvidoria das Polícias, da Defensoria Pública estadual e do seu núcleo de direitos humanos, da comissão de direitos humanos da OAB (ordem dos Advogados do Brasil), da comissão de direitos humanos da Assembleia Legislativa e do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
“Estamos recebendo muitas denúncias de moradores aterrorizados, denúncias inclusive que há duas favelas sendo sitiadas pela polícia e que o comentário dos policiais é que eles vão matar 60 pessoas, há relatos de policiais invadindo casas usando máscaras”, disse o ouvidor Cláudio Aparecido da Silva. “Pessoas próximas a ele [o homem torturado] têm dito que ele tinha passagem criminal, mas não fugiu da favela exatamente porque ele foi para a Baixada Santista para trabalhar como ambulante, e que disse: ‘Não devo nada, não vou fugir, não estou envolvido’.”
Silva também recebeu a denúncia da morte de um homem de 46 anos, diagnosticado com esquizofrenia, que teria sido morto a tiros por dois PMs após se envolver em uma discussão no estacionamento de um supermercado. O homem estaria com uma faca na cintura e muito agitado.
O colegiado deve se manifestar por meio de uma nota e estuda ir a Guarujá para ouvir as denúncias dos moradores. “A nota será uma tentativa de reduzir o ímpeto de quem porventura esteja praticando ilegalidades lá”, disse o ouvidor.
Questionada, a SSP disse que “até o momento não foram constatados abusos por parte da polícia, que segue, na Operação Escudo, os mesmos protocolos de ação preconizados pela corporação”. A secretaria diz que denúncias de abuso serão investigadas pela corporação.
A SSP também informa que a Operação Escudo, desencadeada para identificar, localizar e prender os envolvidos no assassinato do policial Patrick Bastos Reis já prendeu quatro envolvidos no crime.
“Dois foram presos, um morreu ao entrar em confronto com a polícia e o autor do tiro está foragido”, diz a secretaria. “Vale ressaltar, também, que desde sexta-feira, mais de 10 pessoas foram presas em flagrante tráfico de drogas e dezenas de quilos de entorpecentes foram apreendidos.”