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Mulheres relatam absurdos que viveram no ginecologista

Mulheres relatam absurdos que viveram no ginecologista

“Disse que eu devia esperar em Cristo, que Deus ia me enviar um príncipe, com quem eu iria me casar e aí, sim, ter relação sexual”, o relato é parte do que Ana*, 20, ouviu durante uma consulta ginecológica. Na época, ela tinha 18 anos e ter dito que não era virgem foi o que motivou o “conselho”.

Como se já não bastasse o constrangimento de ser repreendida por ser sexualmente ativa, Ana contou à reportagem que também ganhou da médica uma Bíblia e um livro de autoajuda, além de ter sido encaminhada para uma psicóloga que, segundo a ginecologista, era da igreja e a ajudaria a se reconectar com Deus.

Este relato não se trata de um caso isolado. Ana foi apenas uma das mulheres que comentaram um post feito no Twitter pela usuária @biebervies sobre experiências traumáticas em consultas ginecológicas. A publicação viralizou e já conta com mais de 3600 comentários de mulheres que passaram a compartilhar histórias parecidas.

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Ana relata que essa consulta a marcou. “Ela disse que eu era muito nova pra ter relação sexual com vários parceiros, em nenhum momento eu disse que transava com vários, e mesmo se transasse, não vejo problema porque sempre me cuidei. Eu nunca me esqueço das palavras dela”, afirmou Ana.

Na mesma publicação, a estudante de Direito Eliana Jeruchimson, 22, contou que viveu uma situação semelhante à de Ana quando ainda tinha 17 anos. Nesse caso, o constrangimento ocorreu por um motivo contrário, e a ginecologista a repreendeu por ter ido se consultar enquanto ainda era virgem.

O motivo de Eliana ter ido procurar o atendimento da especialista, no entanto, nada tinha a ver com a sua vida sexual. “Eu tinha cólicas bem fortes e chegava a passar muito mal, minha mãe teve a ideia de irmos à ginecologista para ter uma ‘solução para o problema'”, conta.

Ao entrar no consultório, sem a companhia da mãe, a primeira pergunta feita à Eliana foi sobre a virgindade, ao que ela respondeu que nunca havia tido relações sexuais. Apesar de ter explicado o motivo que a levou à consulta, a ginecologista não quis atendê-la e pediu que ela retornasse só quando não fosse mais virgem

“Ela começou a me dar um esporro, onde dizia que eu não podia ir ao ginecologista se fosse virgem. Encerrando a consulta, fiquei constrangida demais e nunca mais voltei a um ginecologista, eu fiquei completamente e sem reação”, afirmou.

Consulta traumática

Para a advogada Tainara Oliveira, 28, a primeira experiência em um consultório ginecológico também foi traumática e a deixou “desolada, o mês todo chorando”, segundo contou para reportagem. A consulta foi motivada por um corrimento, além de dúvidas sobre o uso do anticoncepcional que a deixavam apreensiva sobre a possibilidade de ganhar peso.

“Eu só tinha transado uma vez e tinha começado ficar com um cara, então comecei a tomar anticoncepcional por conta. Quando falei sobre o corrimento, ela disse que não era normal, que eu não estava me cuidando e foi super grossa”, fala.

Tainara até tentou explicar que não tinha uma vida sexual ativa como a ginecologista pensou, mas não foi levada a sério. Sobre o medo de engordar, recebeu como resposta que era “frescura”. Segundo a advogada, a médica argumentou que “o que engorda é não fechar a boca, anticoncepcional nenhum engorda ou faz mal”.

Depois de fazer os exames solicitados, foi observado que Tainara tinha um cisto. Quanto a isso, a médica respondeu que ela tinha apenas três opções: câncer, que ela estava estéril ou podia não ser nada.

“Nunca esqueço a forma que ela falou, porque foi muito impactante. Ela passou o anticoncepcional, fui tomando, quando fui repetir o exame [para acompanhar o cisto], o médico perguntou o motivo em tão pouco tempo e eu falei exatamente o que ela tinha dito, ele ficou revoltado”, lembra.

Com medo de voltar ao consultório e ” ser julgada novamente”, ela ficou dois anos sem fazer o acompanhamento ginecológico necessário. Hoje ela tem o diagnóstico de síndrome do ovário policístico.

Médico não pode julgar

A reportagem entrou em contato com a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e questionou o órgão sobre as condutas profissionais relatadas nesta reportagem. A diretora de Defesa e Valorização Profissional da federação Maria Celeste Osório afirmou que “não compete ao médico, de qualquer especialidade, fazer nenhum julgamento” em relação à vida ou atitudes das pacientes.

“Jamais o médico deve julgar ou conduzir [a consulta] dentro de religião ou coisa do gênero. Isso não não é de forma alguma adequado”, afirmou a porta-voz.

Segundo Maria Celeste, cabe ao médico fazer orientações caso algum comportamento da paciente implique em riscos para a saúde dela, como manter relações sexuais sem o uso de preservativos. “Orientações de saúde, não de julgamento”, afirmou. Para ela, o consultório de ginecologia deve ser um lugar em que as mulheres recebam “acolhimento, orientações e informação”. “É uma consulta de muito valor, é uma pena, a gente lamenta que essas situações tenham sido vivenciadas”, destacou.

 











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Ela também classificou como “absurdo” o caso em que a ginecologista se recusou a examinar a estudante Eliana Jeruchimson e usou sua virgindade como um impedimento para a consulta. Nestes casos, a porta-voz da Febrasgo destacou que devem ser evitados apenas os exames que podem machucar ou ser “traumáticos” para a paciente, como o especular do colo do útero, procedimento no qual o espéculo precisa ser inserido até o órgão.

No entanto, apesar de as mulheres que compartilharam seus relatos considerarem que as experiências foram traumáticas e violentas, a Febrasgo não classifica os casos como episódios de violência. “Elas podem não ter sido tratadas com dignidade, não houve respeito, mas violência eu acho que é um termo inadequado”, afirma.

Caso ocorra alguma inadequação ou prática desrespeitosa durante as consultas ginecológicas, a Febrasgo orienta que as pacientes denunciem o profissional responsável ao CRM (Conselho Federal de Medicina).

*Nome trocado a pedido da entrevistada.