CRISTIANE GERCINA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, sugeriu a criação de um novo aplicativo de transporte caso empresas como a Uber deixem o país por discordar de uma futura regulamentação trabalhista no setor a ser proposta pelo governo Lula.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada nesta segunda-feira (6), Marinho disse que se a empresa sair do país, como, segundo ele, a Uber ameaçou fazer durante as discussões de regulação na Espanha, a alternativa seria criar um novo aplicativo, e os Correios ficariam responsáveis por isso.
“Posso chamar os Correios, que é uma empresa de logística e dizer para criar um aplicativo e substituir. Aplicativo se tem aos montes no mercado. Não queremos regular lá no mínimo detalhe”, disse Marinho.
Marinho classificou de “rebeldia” a atitude da Uber em processo de regulação na Espanha. Segundo ele, durou 72 horas. “Era uma chantagem. Me falaram: ‘E se o Uber sair?’. Problema do Uber. Não estou preocupado.”
As declarações repercutiram e reacenderam o debate sobre a precarização do trabalho por aplicativos e de como a regulamentação pode ser feita. Na opinião do próprio ministro, o assunto deve ser discutido de forma aprofundada, pois há casos que se enquadram na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e há outros que não. Mas é necessário ter algum tipo de proteção para esses trabalhadores.
Há um grupo de trabalho sendo formado para debater o assunto, que esteve entre os principais compromissos da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em nota, o Ministério do Trabalho e Emprego diz que “o grupo de trabalho está em fase de formação e a conclusão dos trabalhadores deve se dar dentro de 90 dias”.
Em nota enviada à Folha de S.Paulo, a Uber afirma que não ameaçou sair da Espanha e que mantém as atividades no país. “Em relação à declaração do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, a Uber esclarece que não ameaçou sair da Espanha. A empresa que deixou o país após a regulação foi a Deliveroo, o que fez cerca de 4.000 entregadores espanhóis perderem acesso à geração de renda”, diz o texto.
Segundo a empresa, durante as discussões no país europeu, a Uber divulgou estimativas sobre o impacto das medidas e apontou “contrariedade dos próprios entregadores com a regulamentação, que levou à migração forçada de muitos profissionais para o modelo de operadores logísticos (sem cadastro direto nos aplicativos) e reduziu o número de pessoas trabalhando na atividade”.
A Uber também afirma que, desde 2021, defende a inclusão dos trabalhadores por aplicativo na Previdência Social, “com as plataformas pagando parte das contribuições de forma a reduzir o valor a ser desembolsado pelos parceiros”.
TRABALHADORES QUEREM CUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO
Para representantes dos trabalhadores, as empresas que operam por meio de aplicativos de transporte de pessoas, alimentos ou produtos precisam cumprir o que diz a legislação brasileira. Segundo eles, não há que se criar novas leis, mas determinar o enquadramento dos profissionais nas leis já existentes.
Os sindicalistas defendem que parte dos profissionais do setor deve, sim, ser contratado como CLT e outra parte pode seguir com o trabalho autônomo ou intermitente.
“As empresas estão nadando de braçada há mais de seis anos, precarizando, sonegando direitos trabalhistas e tributos federais, municipais, estaduais. Têm que procurar o governo e se comportar como empresas sérias, como o agrupamento de muitas empresas sérias que tem no Brasil”, afirma Gilberto Almeida, o Gil, presidente do Sindimoto-SP (Sindicato dos Motoboys de São Paulo).
Segundo ele, a pauta da categoria é diferente da pauta do governo e das empresas. Gil defende um amplo debate, com todos os profissionais envolvidos neste setor. Segundo ele, o que a categoria quer hoje é um reajuste imediato da defasagem da remuneração, além do debate sobre as longas jornadas e o fim do bloqueio classificado por ele como “injusto”, sem direito de defesa.
Sobre o comentário do ministro, ele diz que é preciso que as empresas tenham respeito pelos governos, sejam estaduais, federais ou municipais. “No dia em que passarem a respeitar o trabalhador como trabalhador e respeitar os governos da maneira que tem que ser respeitado, evitaria muito esse tipo de comentário que o ministro fez.”
Raimundo Nonato, o Nonato Alves, presidente da Fenamoto (Federação Nacional dos Trabalhadores dos Motociclistas Profissionais e Autônomos), afirma que apoia o que disse o ministro. “Elas [empresas do setor] estão criando uma crise social, ficam ameaçando o governo de que vai gerar 50 mil desempregos e não querem fazer o que a legislação trabalhista determina no Brasil.”
Nonato é contra discutir uma legislação específica para os trabalhadores de apps. “A pauta da Fenamoto hoje não é regulamentar app, é formalizar os profissionais.”