Durante participação no Roda Viva, exibido pela TV Cultura, dessa segunda-feira, 28 de julho, o médico e neurocientista Miguel Nicolelis, um dos principais nomes da neurociência mundial, criticou duramente o uso de ferramentas como o ChatGPT na produção e revisão de artigos científicos.
Com 36 anos de atuação na Academia Americana, Nicolelis explicou que o pesquisador-chefe de um laboratório precisa não apenas conduzir pesquisas, mas também captar recursos, contratar e supervisionar equipes, escrever trabalhos e ministrar palestras. Quando recebe um artigo para revisar, costuma pedir apoio a pós-doutorandos ou alunos para dar conta da demanda – prática que, até então, era feita por pessoas.
“As revistas estão percebendo que não é só a revisão que está sendo feita pelo ChatGPT ou ferramentas semelhantes. Cerca de 14% dos trabalhos publicados já são feitos por esses sistemas. Às vezes, você encontra citações de trabalhos que você nunca escreveu, liga para o autor e ele responde: ‘Eu nunca publiquei isso’. É um choque nunca antes experimentado”, relatou.
Ele também alertou que essa tendência agrava problemas já existentes na comunidade científica. “O processo de peer review já enfrentava enormes questionamentos por causa dos conflitos de interesse. Como hoje todo mundo tem uma empresa, se você quer publicar algo que pode prejudicar o plano de negócios de quem está revisando, a chance de receber um parecer negativo é razoável. E como esses conflitos nem sempre são declarados, as revistas ficam desesperadas”, disse.
ChatGPT é inadequado para revisão científica
Nicolelis foi categórico ao rejeitar o uso de IA nesse contexto. “Uma revisão feita pelo ChatGPT é um absurdo completo. Ele não tem conhecimento científico, não tem agência intelectual capaz de avaliar um trabalho inédito. Está apenas usando o passado para prever o futuro — e nós sabemos que isso não funciona. Não existe oráculo”, concluiu.