FABIO SERAPIÃO, RENATO MACHADO E MARIANNA HOLANDA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), reivindicou o direito ao silêncio e não respondeu às perguntas da Polícia Federal na tarde desta quinta-feira (18) no âmbito das investigações sobre fraudes no cartão de vacinação.
O militar seria questionado sobre a inserção no sistema do SUS de dados falsos da vacinação de sua família -sua mulher, Gabriela Ribeiro Cid, e três filhas – e também de Bolsonaro e da filha mais nova do ex-presidente, Laura.
Cid chegou à sede da Polícia Federal, em Brasília, às 14h21. Entrou pela garagem do prédio, de forma que não teve contato com jornalistas que o aguardavam. O ex-ajudante de ordens da presidência estava em um comboio dois carros, com militares da Polícia do Exército.
Saiu 40 minutos depois, novamente em silêncio.
Aliados de Jair Bolsonaro minimizaram o silêncio de Mauro Cid. Pelo menos oficialmente, argumentam que não há tensão na defesa do ex-presidente em relação a esse comportamento do ex-ajudante de ordens ou receio de que possa indicar uma delação premiada.
“Não há nenhuma tensão na defesa do presidente em relação ao silêncio do Cid. [Decisão] tecnicamente acertada”, afirmou o ex-secretário de Comunicação da Presidência e integrante do time jurídico do ex-presidente, Fabio Wajngarten.
A defesa de Bolsonaro afirma nos bastidores que a opção pelo silêncio, da parte de Mauro Cid, se deu porque seus advogados não tiveram acesso à íntegra do conteúdo que foi extraído do celular do militar. Acrescentam que, se fosse para incriminar o ex-presidente, ele já teria feito isso no depoimento desta quarta.
Cid foi braço direito de Bolsonaro durante os quatro anos de governo e aliados do presidente descrevem sua lealdade como “canina”.
O presidente, por sua vez, em seu depoimento à PF e a jornalistas, nesta quinta-feira, fez questão de elogiar o militar e dizer que não tem informações de que ele fraudou os cartões de vacina, apesar dos indícios encontrados pela polícia. Ele ressaltou em seu depoimento, contudo, que se Cid cometeu algum crime, foi à sua revelia.
Mauro Cid está preso desde o dia 3 de maio por suspeita de ter inserido dados falsos sobre a vacinação contra o novo coronavírus no sistema. Naquele dia, a PF executou uma operação de busca e apreensão na casa de Bolsonaro e prendeu outros assessores do ex-presidente.
De acordo com a PF, os suspeitos teriam realizado tentativas de inserção de dados falsos sobre vacinação da Covid-19 no sistema.
A investigação aponta que foi inserido no sistema como se Bolsonaro tivesse tomado duas vacinas contra a Covid-19, a primeira delas em 13 de agosto e a segunda em 14 de outubro de 2022.
A inserção desse registro retroativo de vacinação na rede do Ministério da Saúde, porém, só ocorreu em 21 de dezembro, pouco antes de o então presidente viajar para os Estados Unidos. No dia seguinte, em 22 de dezembro, o certificado de vacinação de Bolsonaro foi emitido de dentro do Palácio do Planalto.
Dias depois, em 27 de dezembro, novamente houve uma emissão de certificado e, em seguida, o usuário em nome da chefe de vacinação de Duque de Caxias apagou o registro do sistema com a justificativa de “erro”.
Em representação ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, a PF aponta Mauro Cid como principal articulador do esquema.
Segundo a PF, Bolsonaro tinha ciência da inserção fraudulenta dos dados no sistema. “Jair Bolsonaro, Mauro Cid e, possivelmente, Marcelo Câmara tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento”, diz a PF.
Na terça-feira (16), Bolsonaro prestou depoimento à PF sobre a investigação do caso. O ex-presidente disse que não determinou a inserção de dados falsos na sua carteira de vacinação e na de sua filha. Também afirmou que só teve conhecimento da adulteração quando esse tema começou a ser divulgado pela imprensa, em fevereiro deste ano.
Bolsonaro afirmou ainda não acreditar que o seu ex-auxiliar tenha arquitetado a ação criminosa, que não a determinou, e que se ele o fez, “foi à revelia, sem qualquer conhecimento ou orientação” dele.
O depoimento de Mauro Cid passou a ser visto como uma incógnita, em particular após a troca na defesa do militar. O advogado Rodrigo Roca anunciou na semana passada que deixaria o caso.
Roca é conhecido por ser próximo à família de Bolsonaro e já advogou para o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso que ficou conhecido como “rachadinhas”, em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde exerceu o mandato entre fevereiro de 2003 a janeiro de 2019.
A defesa de Jair Bolsonaro apostava na admissão de culpa do tenente-coronel Mauro Cid, avaliando que ele não teria outra alternativa a não ser reconhecer ter adulterado certificados de imunização.
A avaliação de interlocutores do próprio ex-presidente ouvidos pela reportagem é que a investigação da PF trouxe elementos robustos e difíceis de serem refutados por Cid. Eles citam, por exemplo, as trocas de mensagens e os acessos do próprio celular do militar à conta do então mandatário no aplicativo do ConecteSUS.
Também nesta quinta-feira, a CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal aprovou a convocação do tenente-coronel Mauro Cid. A sua fala, no entanto, não vai se dar por causa da adulteração dos cartões de vacinação.
O objetivo é ouvir Cid sobre os ataques aos três Poderes em 8 de janeiro e o episódio de 12 de dezembro, quando vândalos tentaram invadir a sede da PF, em Brasília, e atearam fogo em ônibus e carros.