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Lula derrota Bolsonaro e vai comandar o Brasil

Lula vai comandar o País pela terceira vez. Foto: Ricardo Stuckert
Lula vai comandar o País pela terceira vez. Foto: Ricardo Stuckert

Igor Gielow/Folhapress

Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito novamente presidente do Brasil. De acordo com projeção do Datafolha, o líder petista venceu o segundo turno da disputa, realizado neste domingo (30), ao derrotar o atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (PL), o primeiro a não conseguir a reeleição.

Segundo dados da apuração realizada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) atualizados até as 19h05 deste domingo (30), Lula tem 50,50% dos votos válidos, contra 49,50% do atual presidente da República.

Quando assumir, em janeiro, Lula, 77, será o mais velho ocupante do cargo na história. Será sua terceira passagem pelo governo, que liderou em dois mandatos (2003-2010).
Após a altamente incomum campanha de 2018, quando os brasileiros elegeram um obscuro deputado federal dono de um discurso radical de direita em reação à implosão vigente do sistema partidário tradicional, desta vez a maioria do eleitorado buscou conforto numa figura conhecida.

Com efeito, Lula passou a jornada eleitoral vendendo a ideia de uma volta ao passado, quando a economia mundial era outra e favorável ao Brasil. Os diversos escândalos de corrupção associados ao seu partido, o PT, mantiveram sua rejeição alta, acima dos 40%, mas o caráter plebiscitário do pleito foi pior para Bolsonaro, que sempre registrou ao menos 50% de ojeriza dos eleitores.

O então candidato petista não quis se comprometer com soluções claras para problemas centrais, de resto inexistentes também na retórica radical de Bolsonaro, que passou todo o seu mandato em uma escalada autoritária que culminou nas investidas contra o próprio sistema eleitoral que o gerou.

Desde 2020, fala-se abertamente acerca do golpismo do atual presidente e qual apoio ele poderia angariar, levando até a inusuais manifestações em favor da democracia brasileira feitas pelos EUA.

Essa degradação institucional também favoreceu a figura apresentada por Lula, de compromisso com a democracia e com a previsibilidade, ainda que ele tenha pedido um cheque em branco ao eleitor, já que não colocou no papel as propostas citadas em discursos. Em janeiro de 2023 será conhecido o seu valor.

A campanha, salvo lamentáveis episódios em que houve mortes, só esquentou retoricamente ao longo do segundo turno, após Bolsonaro chegar a ele com uma votação superior à que se antecipava com base nas pesquisas. Voto útil de eleitores de Ciro Gomes (PDT) e abstenção foram apontados como responsáveis.

Pelo caminho ficaram o pedetista e Simone Tebet (MDB), surgidos das ruínas do projeto de terceira via que vitimou João Doria (ex-PSDB, fora do pleito), Sergio Moro (União Brasil, eleito senador) e tantos outros. Ciro parece no ocaso de sua carreira; Tebet, no começo. Ambos apoiaram Lula, mas a emedebista ganhou assento e voz na campanha, sugerindo que o governo do petista será de transição.

Durante a campanha, houve alguma oscilação nas curvas de intenção de voto, em geral favorável a Bolsonaro, favorecido pelo maior tempo de exposição do eleitorado à propaganda de suas medidas populistas –outro resto a pagar para Lula Mas ao fim o desenho da disputa se manteve muito estável.

O arco narrativo entre o momento em que o petista deixou o poder, com popularidade acima de 80%, e seu triunfo agora é marcado por uma das maiores reviravoltas já registradas na política brasileira.

Em 2010, Lula conseguiu eleger a sucessora ungida, Dilma Rousseff (PT). Até 2013, ela registrava índices de aprovação até superiores aos do mentor, mas as ruas colapsaram nos atos de junho daquele ano.

As massas que ocuparam cidades inicialmente pelo reajuste da tarifa do transporte liberaram uma energia de protesto represada havia anos no país. A classe média ganhou corpo e, com ela, um eleitorado conservador mais aguerrido em um ambiente usualmente habitado pela centro-esquerda.

Dilma conseguiu se reeleger em 2014, mas com muita dificuldade. Seu rival à época, Aécio Neves (PSDB), iniciou um movimento de contestação de sua legitimidade e foi seguido por um Congresso cada vez mais insatisfeito com a ruína econômica que a petista começava a entregar na forma de recessão.

Ao mesmo tempo, desde aquele ano, a Operação Lava Jato trouxe níveis inauditos de revelações de corrupção envolvendo o mundo político, o PT à frente, mas não só. O clima de indignação, particularmente na classe média ante uma esquerda cada vez mais atônita, deu continuidade aos movimentos de 2013.

A tempestade perfeita atingiu Dilma em 2016, quando a petista foi impedida sob grandes protestos. Lula buscou se afastar, mas logo depois viu as investigações da Lava Jato chegarem a seus calcanhares.

Em 2018, condenado já em duas instâncias, o ex-presidente foi preso, com uma mãozinha do Exército de onde saiu Bolsonaro, por meio da pressão exercida por seu comandante sobre o Supremo Tribunal Federal que iria julgar um habeas corpus preventivo, mas o fato é que a corte teria decidido da mesma forma.

O episódio do post do general Eduardo Villas Bôas no Twitter ficou como marco da anomia que se insinuaria nos anos seguintes, de todo modo. Para os militares, é uma herança que, assim como a associação simbólica ao governo do capitão reformado, levará anos para ser processada. E Lula amargou 580 dias numa cela da Polícia Federal em Curitiba, coração da força-tarefa da Lava Jato.

Enquanto isso, o sistema político desmoronava com descobertas diversas de corrupção. O governo de Michel Temer (MDB), que era vice de Dilma, parou de funcionar em maio de 2017, após eclodir o escândalo no qual o presidente foi grampeado pelo empresário Joesley Batista. Aécio, um grande aliado, também caiu na rede pedindo dinheiro ao dono do frigorífico JBS e inviabilizou-se como candidato em 2018.

Terra arrasada, emergiu Bolsonaro, fingindo que seus 28 anos de Congresso o qualificavam de “outsider”. As franjas mais radicais da direita que se viam nas ruas desde o impeachment ganharam corpo nas redes sociais, defendendo abertamente ideias golpistas, autoritárias e intervencionistas.

Antes, o pleito municipal de 2016 confirmou o atestado de óbito temporário do PT, simbolizado na derrota do prefeito paulistano Fernando Haddad em primeiro turno. Lula ficou preso até dezembro de 2019, quando a mudança do entendimento do momento da prisão foi feita pelo mesmo Supremo que havia decidido endurecê-la e autorizá-la antes do trânsito em julgado. Em abril de 2021, veio a recuperação dos direitos políticos, a partir da anulação de suas condenações por uma questão processual.

No Brasil, a maré da Lava Jato refluiu, e Bolsonaro foi o primeiro a instrumentalizar isso. Trouxe para seu governo Moro, o juiz símbolo da operação, só para vê-lo sair atirando um ano depois. O ex-magistrado viu sua envergadura moral desaparecer no momento em que a Lava Jato em si foi encerrada por uma Procuradoria-Geral aliada do presidente e acabou imolado ao ser declarado parcial no Supremo.

Ao novo clima somou-se a turbulência em modo constante de Bolsonaro no poder, macaqueada de seu ídolo, Donald Trump. Até o roteiro de sedição apresentado pelo hoje ex-presidente americano quando ficou evidente que não tinha como contestar a vitória de Joe Biden em 2020, culminando na invasão do Capitólio dos EUA em janeiro do ano passado, foi copiado pelo brasileiro.

Nunca houve no Brasil um presidente tão divisivo. O escaninho que a história reservará a Bolsonaro é dividido entre a repugnância que causou na maioria do eleitorado e a adoração da grande fatia de pessoas que o apoia. É um capital que ele arregimentou, decisivo para definir seu papel daqui para frente.

A pandemia da Covid exacerbou todo o quadro, opondo um presidente negacionista a governadores obrigados a adotar medidas impopulares para tentar coibir a circulação do vírus. Os incentivos de Bolsonaro a tratamentos falsos e remédios ineficazes, assim como a protelação na compra de vacinas, lhe fizeram valer o apelido de genocida: sob sua guarda, morreram 686 mil brasileiros até aqui.

Dada a anemia com que alternativas se comportavam em pesquisas, Lula começou então sua caminhada de volta ao Planalto. O principal gesto simbólico foi a adesão de Geraldo Alckmin, seu adversário no segundo turno de 2006, que virou seu vice pelo PSB após mais de duas décadas no PSDB.

As dificuldades econômicas, em especial a inflação de alimentos, perseguiram Bolsonaro no primeiro semestre e selaram a preferência por Lula entre os mais pobres. No grupo de quem ganha até 2 salários mínimos, metade do eleitorado, o petista teve vantagem acima de 30 pontos ao longo da campanha.

Na elite, o petista evitou se apresentar por completo, mas fez sinalizações de que pretende governar de forma pactuada, porque não terá maioria natural no Congresso até que o centrão, que apoiou Bolsonaro e o abrigou, resolva se acomodar ao novo-velho presidente –o que já é um processo em curso.

Ainda há dúvidas acerca de qual Lula irá se sentar na cadeira: se uma figura mais imperial, buscando lustrar sua imagem após os arranhões na reta final da carreira, preparando uma transição para um Brasil em que ele não seja personagem central, ou um presidente mais incisivo no cotidiano, talvez procurando vingança ou compensação pelo que percebe como injustiça sofrida.

Um primeiro teste será sua relação com o Judiciário: os mesmos ministros do Supremo que viveram às turras com Bolsonaro foram aqueles que validaram por um tempo o lava-jatismo e fustigaram Lula.

Nas últimas semanas, o apoio dado pelo algoz do PT no escândalo do mensalão, o ex-ministro Joaquim Barbosa, e pelo ex-decano da corte Celso de Mello indicaram uma aproximação.

Lula terá duas vagas para preencher por aposentadoria no Supremo já em sua estreia no mandato. Isso, e a definição de um nome político que não assuste o empresariado na chefia da economia, serão sinalizadores potentes acerca do que pretende o ex-retirante de Garanhuns (PE).