Foi nesse dia que um conjunto com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamante foi interceptado na mochila de um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque . A Receita apreendeu as peças, que não haviam sido declaradas, no aeroporto de Guarulhos.
Ao saber da apreensão, o ministro de Minas e Energia retornou à área da alfândega e tentou retirar os itens, informando que era um presente da família real saudita para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. Ele não aceitou a opção dada pela Receita de tratá-las como propriedade do Estado brasileiro. Em correspondência datada de 22 de novembro de 2021, enviada ao príncipe da Arábia Saudita Abudulaziz bin Salman Al Saud, Albuquerque omitiu a apreensão das joias.
O ministro afirmou que os presentes recebidos do regime saudita foram incorporados ao acervo brasileiro “de acordo com a legislação nacional e o código de conduta da administração pública”. Bento Albuquerque também trouxe do país no Oriente Médio um segundo conjunto de joias – este destinado ao próprio ex-presidente Jair Bolsonaro . Em ambos os casos, as peças eram da empresa Chopard, marca suíça que está entre as mais famosas (e caras) do ramo no mundo.
O segundo conjunto de joias, contendo um relógio, uma caneta, um par de abotoaduras, um anel e um tipo de rosário, foi trazido ilegalmente para o país na mesma leva e entregue à Presidência em 29 de novembro de 2022 pelo assessor especial do MME Antônio Carlos Ramos de Barros Mello . Eles estavam sob a guarda da pasta, segundo ele. Essas peças foram trazidas na bagagem pessoal de Albuquerque.
Um recibo mostra que Bolsonaro recebeu pessoalmente o segundo pacote de joias no Palácio da Alvorada. O documento foi assinado pelo funcionário Rodrigo Carlos do Santos às 15h50min do próprio dia 29 de novembro de 2022. Um dos tópicos do formulário questiona se o item foi visualizado pelo presidente. A resposta: “Sim”.
Boa parte das joias trazidas pelo Brasil foram negociadas no exterior, com ajuda de pessoas próximas ao presidente. No dia 11 de junho, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues , afirmara que a negociação de uma nova joia por aliados de Jair Bolsonaro iria robustecer as investigações sobre a venda de presentes recebidos por ele em viagens oficiais. O item foi identificado por investigadores durante buscas em lojas nos Estados Unidos.
Desde o início das investigações, a defesa de Jair Bolsonaro tem negado participação do ex-presidente em esquema relacionado à venda de joias recebidas de presente. Em 20 de fevereiro de 2024, os advogados do ex-presidente pediram para o Supremo Tribunal Federal (STF) anular a investigação.
Os advogados de Bolsonaro questionaram diversos pontos da decisão do ministro Alexandre de Moraes que autorizou uma operação de busca e apreensão, em agosto. Um deles é o fato de nenhum dos investigados ter foro para ser investigado no STF. Eles também contestam a distribuição do caso para Moraes, alegando que não há conexão com outras investigações relatadas pelo ministro. Por isso, a defesa pede a “declaração da nulidade de todos os atos praticados e provas produzidas” no caso, e solicitam que a investigação seja reenviada à Justiça Federal de Guarulhos, onde foi iniciada.
Procuradas, as defesas de Jair Bolsonaro, Bento Albuquerque, Marcelo da Silva Vieira, Marcos André dos Santos Soeiro, Osmar Crivelati e Marcelo Costa Câmara não responderam aos contatos da reportagem. O advogado responsável pela defesa de Mauro Cid e de seu pai, Mauro César Lourena Cid, afirma que ainda não teve acesso ao relatório.
Por meio de nota publicada na rede social X (antigo Twitter), Fabio Wajngarten alegou que atuou como advogado e que, por isso, o seu indiciamento é uma “afronta legal”. Ele disse, ainda, que que a ação é “arbitrária, injusta e persecutória”. Também indiciado pela PF, Frederik Wassef afirma que não foi Bolsonaro e nem Cid que pediram para que ele comprasse o Rolex. José Roberto Bueno Junior negou a participação em crimes e disse não ter sido informado sobre o indiciamento. A defesa de Julio Cesar Vieira Gomes disse não ter tido acesso ainda ao relatório da PF, mas nega a prática de qualquer crime por parte do auditor da Receita Federal.
Confira a cronologia e as datas importantes relacionadas ao caso das joias
26 de outubro de 2021: Um conjunto com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamante que estava na mochila de um assessor do então ministro Bento Albuquerque foi retido na alfândega. A Receita apreendeu as peças, que não haviam sido declaradas
22 de novembro de 2021: Em correspondência enviada ao príncipe da Arábia Saudita Abudulaziz bin Salman Al Saud, Albuquerque omitiu a apreensão das joias. O ministro afirma que os presentes recebidos do regime saudita foram incorporados ao acervo brasileiro “de acordo com a legislação nacional e o código de conduta da administração pública”.
13 de junho de 2022: Mauro Cid viaja para a cidade de Willow Grove, na Pensilvânia, e vende os relógios das marcas Rolex e Patek Philippe para a empresa Precision Watches, no valor total de US$ 68 mil. Uma foto do comprovante de depósito foi armazenada pelo ex-assessor. No mesmo dia, o valor é depositado em uma conta que, segundo a PF, pertence ao pai de Mauro Cid , o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, que ocupava cargo na Apex em Miami.
29 de novembro de 2022: Os itens do kit de joias da Chopard são registrados pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) da Presidência. As joias foram, posteriormente, desviadas do acervo privado de Bolsonaro, segundo a PF. Um segundo conjunto de joias, contendo um relógio, uma caneta, um par de abotoaduras, um anel e um tipo de rosário, foi trazido ilegalmente para o país na mesma leva e entregue à Presidência pelo assessor especial do MME Antônio Carlos Ramos de Barros Mello.
28 de dezembro de 2022: Às vésperas do fim do mandato de Bolsonaro, o então secretário da Receita, Julio Cesar Viera Gomes, enviou ofício para a alfândega do aeroporto em São Paulo pedindo a liberação das joias. No mesmo dia, a Ajudância de Ordens da Presidência, que era chefiada pelo tenente-coronel Mauro Cid, homem de confiança de Bolsonaro, enviou ofício à Receita solicitando as joias.
28 de dezembro de 2022: O primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva foi enviado a Guarulhos em voo da FAB para tentar recuperar as joias. A justificativa que consta no Portal da Transparência diz que o militar faria a viagem “atendendo a demanda recebida do chefe da Ajudância de Ordens do presidente da República”.
30 de dezembro de 2022: Os itens do kit Chopard e as duas esculturas douradas são levados do Brasil para Orlando, nos Estados Unidos, em uma mala transportada no avião presidencial, quando Bolsonaro viajava ao país antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Registros de saída no controle imigratório do Brasil mostram que Cid acompanhou Bolsonaro e mensagens de celular indicam que o então ajudante do ex-presidente levou uma mala específica que deveria ter como destino a casa de seu pai, Mauro Cesar Lourena Cid, em Miami.
1 de janeiro de 2023: A mala fica com o médico de Bolsonaro, coronel Camarinha. Seu envio a Miami é intermediado por Marcelo Câmara, assessor do ex-presidente. Mensagens apontam que, depois, o empresário Cristiano Piquet fica com a mala e a entrega ao pai de Mauro Cid.
4 de janeiro de 2023: Mauro Cid conversa com o pai e pede para ele “não esquecer de tirar fotos” e “ver se tem algum documento junto com as peças”. O general envia uma sequência de imagens de duas esculturas. O reflexo do seu rosto aparece nas fotos. Nos dias seguintes, Mauro Cid, seu pai e os assessores de Bolsonaro Osmar Crivelatti e Marcelo Câmara levam os bens para estabelecimentos especializados nos Estados Unidos para avaliação e tentativa de venda.
18 de janeiro de 2023: Em mensagem trocada com Câmara, Mauro Cid fala sobre a intenção de vender os objetos e afirma que seu pai tinha consigo US$ 25 mil em espécie que seriam de Bolsonaro. Ele demonstra preocupação sobre a forma como o dinheiro seria entregue ao ex-presidente.
8 de fevereiro de 2023: O kit Chopard é submetido a leilão pela empresa Fortuna Auction, de Nova York, mas não é arrematado. Um contato da Fortuna Auction avisa que “ninguém comprou o kit”, em mensagem a Mauro Cid.
9 de fevereiro de 2023: Marcelo Câmara envia a Mauro Cid uma foto do documento do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência (GADH), de novembro de 2022, que relaciona os itens do kit Chopard.
13 de fevereiro de 2023: Em mensagens, Mauro Cid e Câmara falam sobre a necessidade de “aviso prévio” a uma comissão do governo federal sobre a venda no exterior de bens destinados ao acervo privado de Bolsonaro. Na mesma conversa, Mauro Cid diz que já mandou “voltar” o kit de joias que havia sido colocado em leilão e afirma: “Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares / Hahaaahaahah”. Já Câmara diz que o trâmite é “pra não ter problema” e acrescenta: “porque já sumiu um que foi com a DONA MICHELLE”, em referência à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
1 de março de 2023: Em novo áudio, Mauro Cid fala sobre as duas esculturas douradas, após não conseguir vendê-las. Ele diz a Câmara que Jair Bolsonaro não teria ficado com os presentes, durante uma visita a Miami para encontrar o general Mauro Lourena Cid, porque “não valiam nada” e que seu pai os levaria de volta ao Brasil. Ele afirma ainda que “o que estava em Nova York tá descendo ainda”, o que para a PF é uma referência ao kit de joias que havia ficado em leilão. Depois acrescentou: “e o resto e meu pai não conseguiu sacar tudo. Ele sacou seis, né? E, e depois vai, vai, vai, vai sacando o resto”.
3 de março de 2023: Reportagem do jornal O Estado de São Paulo revela que o governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o Brasil um conjunto de brilhantes recebido pelo ministro Bento Albuquerque na Arábia Saudita, em 2021, e destinado a Michelle Bolsonaro. O pacote com joias ficou retido na Receita, no Aeroporto de Guarulhos.
6 de março de 2023: Receita abre investigação sobre um segundo pacote de joias da Chopard recebidas na Arábia Saudita que entrou no país. Os itens estavam na bagagem de um dos integrantes da comitiva brasileira ao país e não foi retido pela Receita.
8 de março de 2023: É iniciada uma operação para resgatar as joias e objetos que estavam em estabelecimentos comerciais nos Estados Unidos. Mensagens entre Mauro Cid e Marcelo Câmara mostram que eles estavam preocupados em reaver os bens, que poderiam ser objeto de decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), determinando a devolução ao Estado brasileiro.
9 de março de 2023: O ministro Augusto Nardes, do TCU, determina depoimento de Bolsonaro e proíbe que o ex-presidente use ou venda as joias sauditas.
14 de março de 2023: Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, recupera o relógio Rolex com a empresa Precision Watches, vendido no ano anterior por Mauro Cid.
15 de março de 2023: Durante uma conversa com Mauro Cid sobre a tentativa de reaver as joias, Fabio Wajngarten diz que Frederick Wassef é “burro demais, contaminado”. Eles conversam sobre a possibilidade de cassação da decisão do ministro Augusto Nardes, do TCU, que determinava a devolução das joias ao Estado brasileiro. No mesmo dia, o TCU determina devolução dos objetos em decisão unânime em prazo de cinco dias.
24 de março de 2023: A defesa de Bolsonaro entrega à Caixa Econômica Federal o primeiro kit, com as joias da marca Chopard, mas ainda fica pendente o outro estojo de joias que inclui o relógio Rolex
27 de março de 2023: As demais joias do kit recebido da Arábia Saudita, que estavam em Miami, são recuperadas por Mauro Cid. No mesmo dia, segundo a PF, Mauro Cid saca US$ 35 mil, mesmo montante apreendido em dinheiro vivo pela PF em sua casa em maio, em uma agência do Banco do Brasil em que seu pai e Bolsonaro mantinham contas bancárias.
28 de março de 2023: Mauro Cid retorna ao Brasil portando uma mochila. As joias são entregues a Osmar Crivelatti, assessor de Bolsonaro.
2 de abril de 2023: Após retornar ao Brasil, Wassef se encontra com Mauro Cid para entregar o relógio, que é repassado a Osmar Crivelatti.
4 de abril de 2023: O kit com o relógio Rolex, agora completo, é entregue à Caixa Econômica Federal
20 de fevereiro de 2024: Os advogados do ex-presidente Jair Bolsonaro pediram para o Supremo Tribunal Federal (STF) anular a investigação sobre um suposto esquema de venda de joias recebidas pela Presidência da República. A defesa de Bolsonaro considera que a forma como a apuração foi instaurada pelo ministro Alexandre de Moraes violou regras
11 de junho de 2024: O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirma que a negociação de uma nova joia por aliados de Jair Bolsonaro daria robustez às investigações sobre a venda de presentes recebidos por ele em viagens oficiais. O item foi identificado por investigadores durante buscas em lojas nos Estados Unidos.