CONSTANÇA REZENDE
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O TCU (Tribunal de Contas da União) determinou nesta quarta-feira (15) que Jair Bolsonaro (PL) deve entregar no prazo de cinco dias à Secretaria-Geral da Presidência da República as joias que recebeu de presente da Arábia Saudita e as armas que trouxe em 2019 ao voltar de uma viagem ao Oriente Médio.
A medida foi tomada por unanimidade pelos seis ministros do tribunal que votaram na sessão (o presidente não vota). Jorge Oliveira, que foi ministro de Bolsonaro e indicado à corte de contas pelo ex-presidente, e Vital do Rêgo não compareceram.
A proposta de devolução foi sugerida pelo ministro Augusto Nardes, relator do caso.
Ele reformulou a decisão cautelar que havia dado na última quinta-feira (9) e que permitia a Bolsonaro ficar com a guarda (mas sem usar nem vender) dos artigos de luxo enviados a ele por intermédio do ex-ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia).
A decisão também determina que a Secretaria-Geral da Presidência mantenha sob sua custódia os bens referidos entregues por Bolsonaro, após a deliberação da corte.
O presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, disse ao final da sessão que, para um presente ser incorporado ao patrimônio privado de um presidente, ele deve preencher dois requisitos: ser classificado como item personalíssimo e ser de baixo valor, como uma camisa da seleção nacional de um país, um perfume ou uma bebida típica, o que não seria o caso.
“É preciso, de uma vez por todas, separar o público do privado. Esse entendimento do TCU vem no sentido de deixar claro aquilo que deve ser incorporado ao patrimônio público. E, no caso dessas joias, não há qualquer dúvida de que, pelo valor têm, elas devem ser incorporadas ao patrimônio público, jamais ao patrimônio particular de qualquer autoridade”, disse.
Dantas também sugeriu que seja feita uma auditoria no acervo de presentes da Presidência sempre ao término de um mandato, o que foi aceito pelos demais ministros, incluindo uma análise dos bens recebidos por Bolsonaro no período de 2019 a 2022.
Também foi incluída uma proposta para que seja expedida uma ordem à Receita Federal para que encaminhe as joias que possam estar com o órgão à Secretaria-Geral da Presidência, assim que terminarem os trâmites burocráticos.
“Requisite da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil o conjunto de joias retido pela autoridade alfandegária para incorporação ao patrimônio público, tendo em vista a inquestionável natureza de bem público de elevado valor, insusceptível de incorporação em acervo privado”, diz o acórdão.
O ministro Walton Alencar, decano do TCU, destacou que a medida também “é uma forma de preservar o interesse público e salvaguardar os padrões de moralidade dentro da administração pública”. Alencar disse que as joias devem ser catalogadas e integrar o patrimônio brasileiro.
“Elas podem ser expostas e até usadas pela primeira-dama em ocasiões formais ou não, mas devem ser devolvidas à Presidência da República. Não há sentido que essas joias valiosas, presentes de governo estrangeiro, permaneçam na guarda da Receita Federal, como se fosse uma mercadoria qualquer”, afirmou.
A defesa de Bolsonaro havia mandado ofício ao TCU na segunda-feira (13) pedindo que o tribunal ficasse com os artigos até que acabassem as investigações, determinando a designação de data e local para sua apresentação.
Nardes, no entanto, afirmou que não há jurisprudência da corte para que o tribunal receba as joias e que tal ação não seria cabível ao TCU. O voto foi seguido pelos demais ministros, que ainda pedem que Bolsonaro encaminhe o comprovante de entrega do material à Secretaria-Geral da Presidência.
“Não deve ser este tribunal a receber as joias e demais objetos, por falta de amparo legal para adoção da medida, e uma vez já existir orientação nos normativos do Poder Executivo definindo os procedimentos a serem adotados em caso de presentes recebidos por autoridades públicas”, disse o ministro.
O ex-presidente também enviou ofício à Polícia Federal dizendo que está à disposição do órgão para prestar depoimento sobre o caso.
A defesa de Bolsonaro argumentou que tomou a decisão diante das notícias publicadas em veículos de imprensa, “mesmo sem poder afirmar a fidedignidade da informação, já que não recebeu qualquer intimação ou teve ciência de forma oficial, senão pelos veículos de imprensa”.
Em outubro de 2021, Albuquerque liderou uma comitiva para um evento internacional na Arábia Saudita.
No retorno, um conjunto de itens de luxo avaliado em R$ 16,5 milhões que inclui colar, brincos, anel e relógio da marca suíça Chopard foi retido pela Receita no aeroporto de Guarulhos (SP) assim que Albuquerque e equipe desembarcaram no Brasil. O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Um segundo pacote, que inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos também da marca suíça de diamantes Chopard e depois entregues a Bolsonaro, estava na bagagem de um dos integrantes da comitiva e não foi interceptado pela Receita, como mostrou a Folha. Esse pacote acabou incorporado ao acervo pessoal de Bolsonaro e agora terá de ser devolvido à Presidência.
Antes, em 2019, o ex-presidente também ganhou de presente uma pistola e um fuzil de representantes dos Emirados Árabes. O fuzil foi customizado com o nome de Bolsonaro, segundo informações publicadas pelo site Metrópoles. A pistola pode ter preços que variam de R$ 5,9 mil a R$ 15,6 mil. Modelos semelhantes do fuzil custam entre R$ 32 e R$ 42 mil.
A Receita também instaurou uma apuração sobre as circunstâncias da entrada no Brasil do segundo conjunto de joias enviado pelo governo da Arábia Saudita. Em nota, a Receita afirmou que “tomará as providências cabíveis no âmbito de suas competências para esclarecimento e cumprimento da legislação aduaneira, sem prejuízo de análise e esclarecimento a respeito da destinação do bem”.
O órgão acionou o Ministério Público Federal em São Paulo para investigar o caso. Técnicos do Fisco se reuniram com representantes da Procuradoria e compartilharam informações disponíveis sobre a entrada dos artigos de luxo.