O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o regulador da concorrência no país, vai avaliar nesta quarta-feira se vai prosseguir com um inquérito administrativo que investiga o Google por práticas economicamente abusivas no mercado digital. O caso trata da exibição de conteúdo jornalístico nas plataformas da empresa sem a remuneração dos veículos que as produziram, além do desvio de tráfego direto para esses veículos, limitando ainda a distribuição de receitas com publicidade digital.
A apuração teve início em 2018 por iniciativa do próprio Cade. No fim do ano passado, contudo, o inquérito acabou arquivado pela superintendência-geral do órgão. Em março último, contudo, a conselheira Camila Cabral Pires Alves recomentou que o processo fosse retomado.
Ela sustentou tratar-se de um caso complexo, incluindo três teses de dano em análise. Uma delas é de tratar-se de uma inovação predatória à concorrência, a segunda é de que o Google atuaria priorizando seus próprios serviços nos resultados de busca (o que é conhecido como self-preferencing) e, por fim, a rentenção de tráfego para aferir ganhos com publicidade.
Entidades como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF), entre outras, defendem que o inquérito seja convertido em processo administrativo, o que permitiria não apenas apurar efeitos das práticas do Google, mas também a aplicação de eventuais remédios desenhados de forma a garantir condições justas de concorrência no mercado digital.
As entidades sustentam que o Google prejudica os veículos jornalísticos ao adotar a prática de “scraping”, ou raspagem. Trata-se de exibir trechos de notícias produzidas por essas empresas no Google Search e no Google News sem remunerá-las por isso.
A ANJ, que reúne uma centena de representantes do setor jornalístico nacional, e a Fenaj em conjunto com a RSF enviaram manifestações ao Cade requerendo o aprofundamento das investigações e a abertura de um processo administrativo.
– O Cade sempre esteve na vanguarda das discussões antitruste no mundo. Não faria sentido o Cade, quando muitos países avançam nesta discussão de abuso de poder econômico das plataformas (digitais), ignorar o tema neste momento – diz Marcelo Rech, presidente-executivo da ANJ.
O entendimento é de que as profundas transformações pelas quais passou o setor de jornalismo nos últimos anos, a reboque da digitalização, evidenciam o efeito negativo das práticas adotadas pelo Google para os veículos de comunicação. E que advento das ferramentas de inteligência artificial generativa desenvolvidas por big techs exigirá ainda mais monitoramento da concorrência no mercado digital.
No documento enviado ao Cade, a ANJ afirma que no cenário atual “os veículos de mídia não possuem qualquer poder de escolha ? ou estão no Google, ou simbolicamente encontram-se alienados do ambiente de acesso ao seu conteúdo, já que estar fora do ambiente do Google é limitar drasticamente as interações com os consumidores” finais do mercado jornalístico.
Impacto do Google na Imprensa Brasileira
“É preciso produzir mais informações sobre os impactos das ferramentas de busca e, principalmente, de um mecanismo que tem o monopólio global desse serviço, como é o caso do Google, na imprensa brasileira”, pontua a jornalista Bia Barbosa, coordenadora de Incidência da RSF para a América Latina.
Samira de Castro, presidente da Fenaj, avalia que o encerramento prematuro dessa investigação pelo Cade equivaleria a “renunciar à chance de corrigir desequilíbrios que afetam não só os concorrentes mas a própria sociedade”.
– A gente acredita que há um prejuízo à sustentabilidade do jornalismo e da produção de conteúdo, porque a extração massiva de conteúdo por meio de scraping, sem autorização e sem remuneração (dos produtores), prejudica os modelos de negócios baseados na geração de conteúdo original, especialmente no jornalismo digital que depende de tráfego direto e monetização própria – destaca ela. – Isso impacta a pluralidade de vozes e fontes na internet e o próprio acesso público a informação de qualidade
Documento enviado por Fenad e RSF ao Cade sublinha que “a posição dominante de algumas das principais plataformas de tecnologia alterou fundamentalmente a forma como as informações são distribuídas, consumidas e monetizadas”. E que essas big techs se tornaram gatekeepers (portas de controle acesso a serviços e informações essenciais para milhões de usuários), “determinando quais fontes de notícias prosperam e quais lutam com o alcance do público”.
Regulamentação do Mercado Digital e Ações Globais
Esse debate se estende globalmente, tendo o Google como alvo de investigações antitruste ao redor do mundo. Regras específicas para regular o mercado digital foram adotadas em países como Canadá, Reino Unido e Austrália. E há propostas na mesma direção sendo discutidas nos Estados Unidos e na Nova Zelândia.
Na Alemanha, após processo sobre possíveis práticas anticompetitivas no Google News Showcase, no fim de 2023, a empresa fechou acordo para pagar anualmente mais de ? 3 milhões de euros a editores de notícias.
Antes disso, na França, em 2020, a empresa teve de negociar condições para remunerar de forma mais justa pela utilização de conteúdos de terceiros e pelo prejuízo causado a esses negócios. A medida foi implementada apenas em 2022, após imposição de multa de ? 500 milhões ao Google.
Nos EUA, o Departamento de Justiça venceu, em abril, ação movida contra o Google por práticas anticompetitivas configurando monopólio e abuso de poder dominante no mercado de anúncios publicitários on-line.