Indicado como novo presidente do Banco Central nesta quarta-feira, Gabriel Galípolo tem a missão de acabar com o clima de guerra entre o Palácio do Planalto e a autoridade monetária no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
Principal cotado para substituir Roberto Campos Neto – que segue como presidente do BC até dezembro – desde que foi indicado à diretoria de Política Monetária do BC, em maio de 2023, Galípolo ainda terá de ser sabatinado pelo Senado antes de assumir o cargo em janeiro de 2025.
Ele é graduado e tem mestrado em Economia pela PUC-SP. Profissionalmente, tem passagens pelo setor público em São Paulo e foi presidente do Banco Fator (2017-2021). O atual diretor do BC também fez parte da equipe de transição do governo Lula e foi número 2 do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Galípolo não deve ter problemas na sabatina do Senado, pela qual já passou uma vez. Ele está acostumado às conversas com os parlamentares. Nos tempos da Fazenda, ele tinha papel de ajudar na interlocução com o Congresso para defender as pautas econômicas.
Dentro do BC, tampouco há objeção a Galípolo. Parte dos servidores, inclusive, estava ansiosa pela indicação, porque acreditam que os projetos de interesse da autarquia agora devem andar com mais celeridade, já que há uma leitura de interdição política às demandas de Campos Neto. O discurso público dos diretores também aponta para um bom convívio.
Mas Galípolo tem a desconfiança da Faria Lima por ser considerado pouco ortodoxo no pensamento econômico e pela proximidade com Lula, construída durante a campanha presidencial de 2022. Na época, Galípolo, que até um ano antes liderava o Fator, fez a ponte entre o então candidato e o setor privado.
O temor maior do mercado financeiro é de que um nome de Lula na cadeira mais importante do BC atenda aos apelos por juros mais baixos e opte por uma atuação mais frouxa contra a inflação, embora manifestações mais recentes de ambos tenham acalmado os analistas.
A estreia de Galípolo no Comitê de Política Monetária (Copom) em agosto do ano passado coincidiu com a primeira queda da Selic após o mais longo ciclo de aperto da taxa da história. Mas o auge da preocupação ocorreu no último corte da Selic, de 10,75% para 10,50%, em maio.
Na ocasião, houve um racha entre os quatro diretores do BC indicados pelo petista, que queriam uma queda maior, e os outros cinco membros que já estavam no Copom na gestão de Jair Bolsonaro, inclusive pelo atual presidente, Roberto Campos Neto.
Os dias que se seguiram foram de fortes questionamentos sobre a credibilidade do BC quando os “emissários” de Lula virarem maioria no comitê, o que acontecerá em janeiro de 2025. Em declarações públicas, Galípolo argumentou que seguiu a sinalização sobre o corte da Selic acordada na reunião anterior. A interlocutores, chegou a dizer que credibilidade é a coerência entre o que se diz e o que se faz e que a cicatriz de agora evitará dúvidas futuras sobre seu compromisso com a comunicação do BC.
Essa, porém, foi a única vez que Galípolo destoou de Campos Neto. Na sequência, a contragosto de Lula, validou a manutenção dos juros em dois dígitos por duas vezes em meio às incertezas globais e às dificuldades do governo atual de cortar gastos, ganhando pontos com o mercado financeiro.
Desde a última reunião do Comitê de Política Monetária, o diretor vem liderando o discurso mais duro contra a inflação, deixando claro que o BC não hesitará em elevar os juros caso seja necessário. Lula também já disse que “quando tem que aumentar juros, tem que aumentar”
De qualquer forma, a visão de agentes do mercado é de que o novo comandante do BC deve contribuir para distensionar as relações com o Planalto, que por si só hoje são fonte de volatilidade e impacto negativo sobre os ativos, como o dólar.
Campos Neto é o principal desafeto de Lula na cúpula do poder em Brasília e uma espécie de para-raios das críticas do petista, que joga nele a culpa pelos problemas econômicos do país. As declarações têm causado prejuízos no câmbio, que em alguma hora batem na inflação e nos juros. Já o novo presidente do BC é considerado um “menino de ouro” pelo petista.
Além da proximidade com Lula, Galípolo foi número 2 do Ministério da Fazenda, Fernando Haddad, antes de ser escolhido para uma das vagas no BC. A sugestão foi de ninguém menos que Campos Neto. No dia da indicação, Haddad destacou que seu então secretário-executivo iria trabalhar pela “harmonia” entre a política fiscal e monetária.
Desde lá, Galípolo mantém conversas frequentes com o ministro da Fazenda e tem liderado a negociação de temas de interesse do BC no governo, como a pauta salarial dos servidores e o novo modelo de inflação, assuntos que normalmente não são da alçada da sua diretoria.
Em relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que desvincula a autoridade monetária do orçamento da União, o novo presidente do BC entende que a ampliação da autonomia não pode se confundir com liberdade para fazer tudo, embora apoie o projeto oficialmente.
Na área de atuação da diretoria de Política Monetária, sua grande marca no último ano foi manter-se parado. A única atuação no mercado de câmbio foi pontual, para dar liquidez ao mercado no período de vencimento de um título grande do Tesouro Nacional. Houve grande expectativa por uma intervenção nas semanas de junho e julho em que a moeda brasileira operou sob grande estresse devido a preocupações fiscais e incertezas externas.
No fim de junho, Galípolo se disse alerta e chegou a reconhecer o pior desempenho do real frente a outras moedas emergentes. Mas destacou que o BC não trabalha com meta de câmbio e que a variável flutuante serve para absorver mudanças na precificação de risco sobre os países – outra concordância com Campos Neto. O novo presidente da autarquia também está à frente de discussões sobre a securitização do crédito imobiliário por meio da estatal Emgea.
Texto de: Thaís Barcellos (AG)