
Alvo de disputa entre representantes da esquerda e da direita nas redes sociais, o líder religioso Frei Gilson tem viralizado por meio de lives que celebram a chegada da Quaresma e reúnem mais de 1 milhão de espectadores às 4h da manhã. Transmitidos pelo YouTube e pelas redes sociais, os sermões, no entanto, também têm repercutido por conta de falas polêmicas dele, ao serem abordados temas como a submissão das mulheres aos homens, o enfrentamento do comunismo no Brasil e a discussão sobre racismo como um “mimimi”.
Natural de São Paulo, Gilson da Silva Pupo Azevedo ingressou na vida religiosa aos 18 anos, se tornando membro da congregação Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo. Hoje, aos 38 anos, ele segue na ordem e lidera o grupo musical Som do Monte, que utiliza a música como meio de evangelização e organiza lives com correntes de orações nas madrugadas. Após o Carnaval deste ano, a organização decidiu intensificar a realização de transmissões ao vivo, iniciando celebrações online para anunciar a chegada do período da Quaresma.
Orações na madrugada
Ao reunir mais de 1 milhão de espectadores às 4h da manhã, Gilson tem chamado a atenção de internautas nas redes sociais, que resgataram momentos em que o frei fez comentários vistos como conservadores e alinhados a opiniões de lideranças bolsonaristas. Em um dos trechos recuperados no último sábado, no Dia Internacional da Mulher, o líder religioso sugere que a missão atribuída por Deus para as mulheres seria “ser auxiliar” dos homens.
“Deus fez você. Olha o texto bíblico Gênesis 2:18, o que está escrito aí: ‘Vou dar-lhe uma auxiliar que seja adequada’. Deus faz uma promessa para Adão: ‘Eu vou fazer alguém para ser sua auxiliar’. Aqui você já começa a entender qual é uma missão da mulher”, disse Gilson, durante a pregação para um público majoritariamente feminino.
A declaração foi recuperada por um usuário do X, que afirmou que a fala seria uma “agressão contra as mulheres”. O internauta também disse que ele seria uma liderança promovida pelo Brasil Paralelo, produtora conservadora com material amplamente divulgado por representantes do bolsonarismo. A ligação entre os dois tem sido especulada online após a repercussão da participação dele no podcast Conversa Paralela, em outubro do ano passado.
Em outro trecho gravado na mesma ocasião, o frei também afirmou que “a fraqueza da mulher é que ela sempre quer ter mais” e completou dizendo que “a guerra dos sexos é ideologia pura”.
“É claro ver que Deus deu ao homem a liderança. É claro ver que Deus deu ao homem ser o chefe. Isso está na Bíblia. O homem é o chefe do lar, foi dado a ele liderança. Mas a mulher tem o desejo de poder. Não é desejo de serviço, desejo de poder. Repito a palavra: empoderamento. Essa palavra é do mundo atual. A guerra dos sexos é ideologia pura e diabólica”, declarou durante o sermão.
Em uma segunda ocasião, também recuperada por usuários das redes sociais, Gilson faz preces ao lado de outro frei. Juntos, eles pedem pelo “livramento do flagelo do comunismo”.
Outro registro mostra o líder religioso comentando sobre o uso do termo “pretinha”. Ele afirma que usa a expressão como um apelido carinhoso e diz que, caso sua atitude despertasse acusações de racismo, seria por conta da “geração mimimi”.
“A gente tem a nossa querida pretinha aqui. Pretinha, todo mundo chama ela de pretinha. É o nome que a gente gosta de chamar carinhosamente, e aí é ‘preconceito’. É a geração do ‘mimimi’, do dodói. Talvez seja por causa disso que os pais estão fazendo os seus filhos serem dodóis”, disse.
O momento foi compartilhado por um usuário do X, que afirmou que o frei seria “a aposta do bolsonarismo para desvirtuar a fé católica para política” e que ele “atacou o movimento negro”. “Quem está com esse cara está negando a toda palavra de amor pregada por Cristo”, completou.
O religioso também é questionado online por ter sido mencionado no inquérito da trama golpista, apresentado pela Polícia Federal no ano passado, que motivou a denúncia do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outras 33 pessoas pela Procuradoria-Geral da República. No documento, investigadores apontam que o padre José Eduardo de Oliveira, também indiciado pela PF na época, teria encaminhado uma mensagem para Gilson no dia 11 de novembro de 2022, cerca de duas semanas após a vitória de Lula nas urnas.
Segundo o inquérito, a mensagem era “uma espécie de oração de golpe”, que solicitava a inclusão dos nomes do então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e de 14 generais quatro estrelas em suas orações, pedindo “para que Deus lhes dê a coragem para salvar o Brasil, lhes ajude a vencer a covardia e estimule a agir com consciência histórica e não apenas como funcionários públicos de farda”.
Em seguida, José Eduardo cita nominalmente o frei Gilson e pede que ele repasse a mensagem apenas “para pessoas de estrita confiança”. O documento, no entanto, não informa se Gilson respondeu ou atendeu ao pedido. O padre que emitiu a mensagem também não chegou a ser denunciado pela PGR no mês passado.
Com a repercussão das críticas ao frei nas redes sociais, representantes da direita saíram em defesa dele. Entre os primeiros a se pronunciar, Bolsonaro postou uma foto de Gilson no X, sem legenda. Em seguida, em outro post, o ex-mandatário chamou-o de “fenômeno em oração” e disse que “a fé cristã nunca se curvou à perseguição”.
O deputado federal Nikolas Ferreira, que é evangélico, também defendeu o frei em um vídeo publicado em suas redes sociais, dizendo que, apesar das diferenças de crenças entre eles, o religioso seria uma “pessoa extraordinária”.
“Começaram diversos ataques. Para quem é cristão, isso é algo natural, ser atacado por seguir a Cristo. Óbvio que, por ele ser católico e eu ser evangélico, temos nossas divergências teológicas. Mas conheci pessoalmente, é uma pessoa extraordinária”, disse o parlamentar. “Quão deteriorada tem que ser a alma de uma pessoa que está reclamando porque tem pessoas rezando às 4 da manhã”.
Procurada pelo GLOBO, a assessoria de Frei Gilson não quis se manifestar sobre as falas do religioso e disse que ele não deve se pronunciar neste momento em razão da Quaresma, um período de “aproximação com Deus”. (Rafaela Gama/O Globo)