CÉZAR FEITOZA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Comando do Exército vai repassar R$ 4 milhões para 50 generais como ajuda de custo para mudar de cidade. O benefício, na prática, é recebido por militares de alta patente como penduricalho para aumentar salários.
Os valores variam de R$ 12,4 mil a R$ 151,1 mil por general –média de R$ 81,5 mil para cada um. O Exército ainda envia verba extra ou contrata caminhões para o transporte dos bens pessoais dos militares por fora da ajuda de custo.
O recurso, previsto em lei, é repassado para todo militar quando ele é transferido de cidade. As movimentações costumam ocorrer a cada dois anos.
Apesar de ser classificado como uma ajuda de custo, o recurso não é calculado com base nas despesas exigidas para a mudança de local de trabalho –o único fator é o salário. Na prática, a verba acaba inflando as remunerações do topo da carreira em benefício que opõe oficiais a praças.
A última movimentação do generalato foi definida em reunião do Alto Comando do Exército no fim de outubro.
Ao todo, 71 generais trocaram de cargos. Levantamento feito pela Folha mostra que 50 desses militares receberão recursos, enquanto outros 19 não tiveram direito por permanecerem na mesma cidade; outros dois generais vão se mudar, mas o Portal da Transparência não detalha registros de recebimento.
A lei estabelece que o militar com dependentes deve receber duas vezes o valor de remuneração como auxílio a cada movimentação em que haja mudança da organização militar.
Se a origem ou destino for uma cidade considerada de categoria A, cujo deslocamento é mais complexo, o valor sobe para quatro vezes o salário do militar. O dinheiro será cortado pela metade se o beneficiário não tiver filhos.
O general Francisco Wellington Franco de Souza, duas estrelas, é quem receberá o maior valor: R$ 151,1 mil. Ele sairá da chefia do Estado-Maior do Comando Militar do Norte, em Belém (PA), para a chefia de Material de Aviação do Exército, em São Paulo (SP).
Outros dez generais vão receber recursos acima de R$ 100 mil.
O general Marcus Vinicius Gomes Bonifácio, também de duas estrelas, vai acumular o segundo grande repasse em 12 meses. Ele foi enviado para Macapá (AM) no fim de 2022 para chefiar a 22ª Brigada de Infantaria Motorizada e, agora, vai se mudar para o Rio de Janeiro (RJ) para comandar a Aman (Academia Militar das Agulhas Negras).
No ano passado, ele recebeu R$ 109,5 mil como ajuda de custo para trocar de cidade. Dessa vez, o valor que terá acesso é de R$ 146,5 mil.
Em comparação, parlamentares têm direito a ajuda de custo de R$ 40 mil no início e no fim da legislatura, a cada quatro anos, para auxiliar as mudanças para Brasília.
A maior ajuda de custo é dada ao militar quando vai para a reserva. O valor, estabelecido por lei, é de oito vezes o último salário de seu último posto –saldo que chega a R$ 300 mil em caso de generais quatro estrelas.
O benefício foi dobrado pelo Congresso, em acordo com o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), na votação da reforma da Previdência dos militares, em 2019.
Generais ouvidos pela Folha afirmaram, sob reserva, que o pagamento serve como uma espécie de FGTS para os militares.
O fundo, no entanto, foi criado para que trabalhadores de carteira assinada tivessem uma garantia de recursos em caso de demissão, numa alternativa à estabilidade no emprego. Por isso, servidores públicos em regime estatutário não têm direito ao FGTS.
Em 1º de dezembro, o general Estevam Theophilo foi para a reserva do Exército e deixou o Comando de Operações Terrestres. Ele é membro de uma das famílias mais tradicionais da Força, cujo início das atividades remonta ao Brasil Império.
Os valores repassados a Theophilo, porém, não estão detalhados no Portal da Transparência. Em casos de acúmulo de benefícios, o valor pode saltar a quase R$ 1 milhão –no caso do general Tomás Paiva, comandante do Exército, os valores somados chegaram a R$ 770 mil.
“O Centro de Comunicação Social do Exército Brasileiro informa que todas as movimentações com ajuda de custo e transporte seguem a legislação vigente e reafirma o compromisso da Instituição com o combate à desinformação, com a legalidade e com a transparência na prestação de informações à sociedade brasileira”, disse o Exército em nota.
Militares ouvidos pela Folha reclamaram do fato de as tabelas que definem os valores para o transporte dos bens dos oficiais estarem defasadas. Os preços não são atualizados desde 2011.
Nesse caso, os militares que escolhem fazer a mudança por meio da contratação de caminhão recebem um valor aquém do necessário –e, por isso, precisam desembolsar recursos próprios para bancar os gastos.
Eles ainda afirmam que a ajuda de custo serve como atratividade na Força, já que a carreira é cheia de percalços, com mudanças de cidade constantes, com instabilidade da profissão que causa prejuízos às famílias.
Na visão deles, o benefício ainda compensa o fato de militares não receberem pelas horas extras trabalhadas. É dinheiro importante ainda para reorganizar a vida de filhos, com matrícula em escolas.