Cintia Magno
Caracterizada pela violação dos direitos humanos, a prática de crimes de ódio na internet teve um aumento de 67,5% nos primeiros seis meses de 2022 no Brasil. Em alguns casos, o aumento no número de denúncias desse tipo de prática alcançou um crescimento de 654,10% em relação ao mesmo período do ano passado, caso do crime de intolerância religiosa, por exemplo. Mais do que esse crescimento em 2022, o que os números levantados pela Central Nacional de Denúncias da Safernet, associação civil que atua na defesa dos Direitos Humanos na Internet no Brasil, mostram é que os crimes de ódio tendem a crescer em anos eleitorais no país.
Coordenada pela Safernet em cooperação com o Ministério Público Federal (MPF), a Central Nacional de Denúncias recebe denúncias feitas anonimamente por usuários que tiveram algum tipo de acesso a conteúdos que violem direitos humanos e que possuem tipificação na legislação, como é o caso de conteúdos de racismo, xenofobia, LGBTfobia, neonazismo, incitação ao ódio contra mulheres (ou misoginia) e apologia a crimes contra a vida. Quando recebidas pela central, tais denúncias ficam acessíveis, em tempo real, para as autoridades poderem detectar se, de fato, houve alguma violação prevista em lei e tomar as providências cabíveis.
De acordo com a diretora da Safernet, Juliana Cunha, o que vem se observando é um padrão de crescimento em todos os conteúdos de crimes de ódio nas duas últimas eleições. E no que depender dos números parciais levantados no primeiro semestre de 2022, a perspectiva é de que este ano será o terceiro ano eleitoral consecutivo em que haverá aumento no número de denúncias de crimes de ódio praticados na internet. “Esse é um problema que não é só do Brasil, é global. Em ano eleitoral, o que a gente percebe é que o ambiente fica muito mais polarizado. Acaba que isso culmina em uma polarização ainda maior e aí é um ambiente muito mais propício para as pessoas se engajarem em conteúdos de discursos de ódio”, avalia. “Então, acaba que o discurso de ódio é utilizado como uma plataforma política por muitas figuras públicas para chamar a atenção da audiência e muitas pessoas acabam se engajando nesse conteúdo em razão da polarização”.
Juliana considera que em um ambiente ainda mais polarizado, como são os anos de eleição, as pessoas tendem a interagir mais com esse tipo de conteúdo, mesmo que para fins de denúncia. Ao se ver indignado com tais conteúdos, muita gente denuncia tais publicações compartilhando as mesmas, o que acaba dando mais visibilidade a esse tipo de conteúdo. “O desafio, aí, é justamente identificar como é possível reduzir a visibilidade de conteúdos de discurso de ódio porque, a depender de como você interage com ele, se você compartilha ou responde, ainda que para fins de denúncia, você acaba dando mais visibilidade. Passa a ser um conteúdo que tem mais engajamento”, considera a diretora da Safernet.
Diante do desafio que é identificar como interagir para denunciar esses conteúdos, sem dar mais visibilidade a eles, Juliana destaca que a solução precisa ser multisetorial. “Não cabe somente a um setor específico, quer seja o poder público, quer seja as empresas, mas uma coordenação entre todos esses setores”.
Por parte das empresas, ela aponta que o desafio é desenvolver ferramentas de inteligência artificial para detectar proativamente esses conteúdos, ou seja, para que eles não precisem nem ser vistos pelo usuário para serem detectados. Outra medida fundamental é desmonetizar esses conteúdos, o que as políticas das plataformas já vêm fazendo. Por parte do poder público, é importante ter uma resposta mais célere para os casos em que há flagrantemente o uso mal-intencionado de desinformação e discurso de ódio. “Acaba que, muitas vezes, fica a percepção na população em geral de que é uma terra de impunidade, onde você pode fazer o que quiser”, considera Juliana. “Mas isso também tem melhorado, no sentido de dar essa percepção para a população de que é passível de responsabilização”.
Punições estão previstas na legislação
Ainda que, no Brasil, a legislação acerca dos crimes de ódio na internet seja pouco específica, o presidente da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB-PA), André Freire, lembra que não significa que o criminoso que pratica esse tipo de crime fique impune. “A Lei 7.716/89, que trata dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou nacionalidade, é bem clara na proteção a essas vítimas”, aponta. “Dependendo do caso, as penas podem ser de multas ou reclusão de um a cinco anos. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos, a pena é agravada em um terço”.
O advogado considera que, ainda que algumas pessoas possam ter a falsa ideia de que podem fazer o que quiserem, na internet, que f não serão identificadas, já foi possível avançar consideravelmente no que se refere à punição de crimes cometidos no ambiente virtual. “Recentemente, tivemos mais um avanço que foi a aprovação do projeto de Lei 4.229/2015 que prevê punição para quem aplica golpes na internet, principalmente nas redes sociais, com penas de multa e reclusão de 1 a 5 anos”, lembra. “Da mesma maneira que os criminosos criam novas maneiras de aplicarem golpes, a polícia também vem se atualizando com o uso de novas tecnologias. Recentemente tivemos uma operação deflagrada no Metaverso, coibindo a veiculação de conteúdos protegidos pela Lei de Direitos Autorais. Aquela frase que internet é terra sem lei ficou no passado, os crimes estão cada vez mais sendo combatidos com eficiência e os crimes de ódio não ficam atrás”.
Especificamente no que se refere aos crimes de ódio, o advogado explica que a lei pune todos cuja motivação é o preconceito. “O agressor mira sua vítima por esta pertencer a um grupo social específico, indivíduos que sofrem historicamente por preconceito. Podemos dar como exemplo as vítimas de homofobia, racismo, intolerância religiosa, xenofobia”, exemplifica. “Esse crime não atinge somente o indivíduo, ele atinge a sociedade”.
CRESCIMENTO
Crimes de ódio que registraram o maior crescimento no número de denúncias
2018 (crescimento em relação a 2017)
1 – Misoginia – crescimento de 1639,50%
2 – Xenofobia – crescimento de 595,50%
3 – Neonazismo – crescimento de 262,10%
2020 (em relação a 2019)
1 – Neonazismo – crescimento de 740,70%
2 – Racismo – crescimento de 147,80%
3 – Xenofobia – crescimento de 111,20%
1º Semestre de 2022 (em relação ao 1º Semestre de 2021)
1 – Intolerância religiosa – crescimento de 654,10%
2 – Xenofobia – crescimento de 520,60%
3 – Neonazismo – crescimento de 120,2%
Fonte: Central Nacional de Denúncias da Safernet.
DENÚNCIAS
Denúncias de crimes de ódio na internet recebidos pela Safernet
2017 – 24.356 denúncias
2018* – 72.041 denúncias
2019 – 25.818 denúncias
2020* – 52.918 denúncias
2021 – 44.131 denúncias
Parcial
1º semestre 2021 – 14.289 denúncias
1º semestre 2022* – 23.947 denúncias
*Anos eleitorais