BRUNA FANTTI E NATÁLIA SANTOS
RIO DE JANEIRO, RJ, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os 12 mortos na segunda quinzena de janeiro em decorrência das chuvas no Rio de Janeiro evidenciam um histórico de tragédias: o estado registrou, entre 1991 e 2022, o maior número de mortes no país por causa dos efeitos de tempestades.
Dos 4.111 óbitos no Brasil no período –média de 1 a cada 3 dias– por ocorrências de alagamentos, enxurradas, inundações, movimento de massa, tornado, vendavais, ciclones, chuvas intensas e granizo, 1.511 foram no Rio de Janeiro.
O levantamento foi realizado pela Folha de S.Paulo com dados do Atlas de Desastres no Brasil, do MDR (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional). Os dados de 2023 ainda não foram consolidados na base.
Em nota, a gestão Cláudio Castro (PL) afirmou que investe em obras e ações. Desde 2021, o governo do estado já investiu, por meio do PactoRJ, R$ 4,3 bilhões em obras de infraestrutura. A atualização do Plano de Contingência para as Chuvas do verão de 2023/2024 prevê investimentos de mais de R$ 3 bilhões em equipamentos de última geração, tecnologia e treinamento das equipes que atuam em situações de emergência”.
O Sudeste concentra 42% da população residente do país (84,8 milhões), segundo o Censo 2022, e 64,9% de todas as mortes ocorreram na região em toda a série histórica analisada. A segunda posição é do Nordeste, com 15,7%, seguido do Sul 11,9%. O Norte acumulou 5,9%, e o Centro-Oeste, 1,4%.
A explicação para o alto número de mortes no Rio de Janeiro, segundo especialistas, está na combinação da geografia, concentração populacional, ocupação urbana e políticas públicas.
“A serra fluminense tem um solo raso, em cima de um maciço rochoso bastante fraturado, o que faz com que na ocorrência de chuvas intensas esse solo encharque rapidamente e em razão da declividade ocorram os deslizamentos”, afirmou o professor Matheus Martins, especialista em drenagem urbana e professor da Escola Politécnica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
“Já a baixada fluminense está espremida entre a serra e a Baía de Guanabara, de forma que as águas das chuvas acabam descendo rapidamente das encostas até a região e encontrem um terreno plano onde o nível da baía funciona como um freio para os escoamentos, fazendo a região extremamente suscetível a inundações”, acrescentou Martins.
Foi na região serrana do Rio de Janeiro que ocorreu a maior tragédia climática do Brasil, em 2011. Segundo o Atlas, que é abastecido com informações das secretarias municipais e estaduais, foram 870 mortos no Rio, naquele ano. No entanto, o número pode ser bem maior pelo número de desaparecimentos ou óbitos reconhecidos após o período e ainda não incluídos na base de dados.
Estudo do governo federal deste ano apontou que 8,9 milhões de pessoas vivem em área de risco geo-hidrológico. O levantamento mostra que a maior parte delas está no Nordeste e no Sudeste, especialmente em regiões perto do litoral e das áreas de serra.
Vivendo na Fazenda Botafogo, conjunto habitacional próximo do rio Acari, na zona norte, o aposentado José Flávio Barros, 54, diz que seu apartamento sempre costuma inundar quando o rio sobe. “Sou cadeirante e minha esposa também. Na última enchente, fomos resgatados por um vizinho no meio da madrugada, se não tivéssemos saído acho que possivelmente nos afogaríamos”, afirmou.
A cidade do Rio tem sirenes de alerta para possíveis deslizamentos em 103 comunidades. Mas mesmo assim muitos moradores preferem não seguir as recomendações.
Lúcia Maria de Paula Souza, 37, é moradora do morro da Formiga, zona norte do Rio. Ela conta que prefere ficar em casa, mesmo com o toque da sirene. “Nem todos vão para a igreja [ponto de refúgio e apoio nas chuvas]. Se a encosta cair na minha casa, vai cair na igreja também. Prefiro ficar em casa. E, de todas as vezes que saí, não aconteceu nada”, disse.
“É necessário preparar e fortalecer os Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil, para que as comunidades adquiram capacidade operacional durante os eventos críticos, além de estruturar o local com pontos de apoio, rotas de fuga sinalizadas, dispositivos para alarme. Nestas horas, a preparação da própria comunidade faz toda a diferença”, afirmou o professor Leandro Torres, também da politécnica da UFRJ, especialista em desastres.
“A precariedade das políticas sociais e de habitação, associadas à falta de controle da ocupação do espaço urbano, resulta na ocupação desordenada de várzeas e encostas, normalmente pela população de mais baixa renda que, além de mais vulnerável, também acaba sendo exposta mais diretamente às ameaças”, avaliou Torres.
Obras de prevenção muitas vezes são abandonadas. As bombas de sucção do rio Iguaçu, por exemplo, deveriam ter cinco equipamentos do tipo, mas somente duas estão funcionado. Ao todo, no projeto Iguaçu, que realizou o reassentamento de 3.000 famílias e dragagem do rio, foram empregados cerca de R$ 500 milhões, entre verbas federais e contrapartida estadual, dos R$ 2 bilhões previstos. O governo estadual afirma que está em processo de licitação para a compra das bombas ausentes.
O debate sobre a prevenção das chuvas virou tema de uma comissão da OAB-RJ, em 2022. “As chuvas vêm aumentando a cada ano, é fruto das alterações climáticas e ocupação desordenada também. A comissão age na fase anterior, na prevenção e mitigação dos riscos, orientando no plano municipal de redução de desastres”, disse o coordenador Fernando Magalhães, da Comissão dos Desastres e Defesa Civil.
Apesar dos dados de óbitos de 2023 não estarem consolidados, o ano foi marcado por tragédias, como a de fevereiro, quando fortes chuvas, nos dias 18 e 19, atingiram a cidade de São Sebastião, no litoral norte, causando deslizamentos, em especial no bairro Barra do Sahy, e a morte de 64 pessoas.