O NOME PROIBIDO

Cartórios barram registro de nome africano e família denuncia racismo

Recém-nascida aguarda decisão da Justiça após cartórios recusarem nome escolhido pelos pais

Recém-nascida aguarda decisão da Justiça após cartórios recusarem nome escolhido pelos pais
Recém-nascida aguarda decisão da Justiça após cartórios recusarem nome escolhido pelos pais

Uma recém-nascida de Belo Horizonte permanece sem certidão de nascimento mais de uma semana após vir ao mundo. O motivo: a recusa de dois cartórios em registrar o nome escolhido pelos pais, Tumi Mboup, de origem africana. A negativa trouxe não apenas frustração, mas também dificuldades práticas à família, que depende do documento para garantir direitos básicos, como licenças trabalhistas e acesso ao sistema de saúde.

A Justiça tem até o dia 2 de outubro para responder ao pedido dos pais. O cartório recusou o registro alegando que “Mboup” seria um sobrenome e, por isso, não poderia ser usado como segundo nome composto. A menina nasceu em 22 de setembro e continua sem certidão de nascimento.

 “Eu sou servidor, preciso da certidão para usufruir da minha licença. A mãe também precisa para a licença maternidade. Para acessar o sistema de saúde, é necessário o registro”, disse o pai da criança, o sociólogo e professor Fábio Rodrigo Tavares, que explica que a falta do registro tem impacto direto na rotina da família.

“A criança ainda precisa fazer o teste do pezinho, que é feito no posto. E a gente não pode circular livremente pela cidade com um recém-nascido sem documento. Somos um casal preto numa sociedade racista, e andar com uma criança sem prova de que é nossa filha gera problemas”, continuou.

Tentativas de registro

A primeira tentativa de registro aconteceu dois dias após o parto, no Hospital Sofia Feldman, onde funciona uma extensão do Cartório de Venda Nova. Após o “não”, os pais tentaram novamente no Terceiro Subdistrito, no centro da capital, mas também foram recusados.

Diante da situação, no segundo cartório, os pais formalizaram um pedido de autorização judicial, que precisa ser analisado até o próximo dia 2 de outubro. Caso a solicitação não seja aceita, a família terá que ingressar com uma ação na Justiça para assegurar o registro da filha. Por enquanto, a filha do casal segue sem certidão de nascimento.

No Brasil, os oficiais de registro civil podem negar nomes que possam “expor a criança ao ridículo” ou quando há dúvidas sobre a legalidade do pedido, como em casos de divergência entre os pais.

Significado do nome

A escolha do nome vai além da simples identificação pessoal. Tumi, escolhido pela mãe, significa “lealdade” e tem origem na região da África do Sul. Já Mboup, sugerido pelo pai, é um sobrenome comum no Senegal e faz referência ao intelectual senegalês Cheikh Anta Diop, autor do livro “A Unidade Cultural da África Negra”. Para Fábio, a decisão carrega também um posicionamento político.

“Politicamente, é uma tentativa de reafricanizar. Na afrocentralidade, aprendemos que o primeiro processo para nos desafricanizar, para nos colonizar, é retirar o nosso nome. O nome nos dá localização, identidade. Sem nome, sem referência, não somos nada. Nomear nossa filha de Tumi Mboup é um ato político de resistência”, frisa.