ECONOMIA

Caixa deve injetar mais R$ 138 bi no crédito imobiliário em 2025, diz presidente

O presidente da Caixa, Carlos Vieira, projeta chegar ao fim do ano com R$ 250 bilhões em contratações de crédito habitacional sendo R$ 138 bilhões neste semestre.

Caixa Econômica Federal - Foto: Vergani Fotografia / Shutterstock.com
Caixa Econômica Federal - Foto: Vergani Fotografia / Shutterstock.com

O presidente da Caixa, Carlos Vieira, projeta chegar ao fim do ano com R$ 250 bilhões em contratações de crédito habitacional sendo R$ 138 bilhões neste semestre. Um dos impulsionadores do aumento dos financiamentos será o pacote que o governo Lula deverá lançar entre agosto e setembro.

No ano passado, a Caixa liberou R$ 223,6 bilhões em recursos para moradia. Em entrevista à Folha, Vieira antecipa detalhes da futura linha para reforma de imóveis planejada pelo governo, com taxas mais baratas e prazos maiores de até oito anos. Os recursos virão da mesma fonte do crédito imobiliário e, por isso, terão condições mais competitivas.

Segundo ele, as mudanças em estudo devem dar mais estabilidade ao SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), instrumento de financiamento imobiliário que usa recursos da poupança para viabilizar a aquisição de imóveis. “Vai ter uma previsibilidade que não tinha. Isso é bom para o mercado”, diz ele. “A expectativa é gerar uma fonte para que, nos próximos cinco anos, o crédito aumente anualmente em torno de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões e estabilize a taxa de juros.”

Sobre a nova bet da Caixa, Vieira diz que o lançamento deve acontecer neste semestre e será acompanhado de monitoramento de comportamento social e campanha educativa. Ele diz que a Caixa prepara um superapp para facilitar a integração dos seus serviços. A estratégia, de acordo com Vieira, é investir em tecnologia para fazer do banco público a “maior fintech do Brasil”.

PERGUNTA – A Caixa está discutindo com o BC e o governo mudanças para estimular o crédito imobiliário. Esse tipo de crédito está diminuindo?

CARLOS VIEIRA – Não diminuímos o crédito imobiliário. Em 2023, fizemos R$ 180 bilhões e, em 2024, R$ 223,6 bilhões. Neste ano, já estamos com R$ 112 bilhões contratados até 4 de julho. O que define a quantidade é o quarto trimestre. Temos aí um crédito novo, voltado para classe média, que é nova faixa do Minha Casa, Minha Vida para pessoas com renda entre R$ 8 mil e R$ 12 mil. É uma novidade que não tinha no ano passado. O orçamento é de R$ 15 bilhões em 2025. É muito dinheiro.

E acredito que o resultado vai ser maior do que no ano passado. Se crescermos em um patamar entre 15% e 20%, acho que vamos chegar a R$ 250 bilhões em função do comportamento do mercado. A demanda continua aquecida, porque nós tivemos um ganho de renda real no Brasil. Isso é fato.

P – O aumento da Selic para 15% pelo Banco Central não atrapalha?
CV – Não, não mudamos a nossa taxa, é a mesma. Temos uma taxa de juros nossa que está precificada no sentido de absorver. Cai a margem financeira e absorvemos essa taxa de 15% da Selic.

P – Até que ponto esse pacote para o crédito habitacional, com flexibilização do uso dos recursos da poupança, pode aumentar esse mercado?
CV – Está em discussão. Pelos dados preliminares, entendemos que vai estabilizar o mercado. Vai dar uma conotação mais estrutural, principalmente ao SBPE. Vai ter uma previsibilidade que não tinha. Isso é bom para o mercado. É bom para quem vai lançar. No segundo semestre, é o período de lançamento de empreendimentos pelas incorporadoras.

P – O que significa dar mais estabilidade ao SBPE?CV – A poupança tem essas oscilações [de saques]. A tendência agora é criar um modelo que seja mais estável. A expectativa é gerar uma fonte [de financiamento] para que nos próximos cincos anos aumente anualmente em torno de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões o crédito e estabilize a taxa de juros. E que, em cinco anos, praticamente se dobre o crédito imobiliário feito pelo SBPE. A vantagem para a Caixa é que, com essa medida, poderemos aumentar mais a quantidade de recursos para o crédito.

P – O sr. teve uma reunião com o presidente Lula sobre esse tema. O que ele pediu?
CV – Ele acha que existe espaço para nós agirmos. O Brasil priorizou muito as classes menos favorecidas com acesso ao crédito imobiliário. Ele encomendou à Caixa que nós entrássemos com modelos de crédito para a classe média. O presidente entende que a classe média também merece uma atenção dentro da política pública habitacional. A família com renda de 8 a 12 salários não estava contemplada.

P – Quais desafios o novo crédito para reforma traz para a Caixa, que é líder do mercado?
CV – Já fizemos isso no passado. Não tem nada de novo a Caixa voltar a estimular a melhoria habitacional e criar condições para a gente ir para esse mercado.

Se você olhar hoje quantas pessoas chegam para fazer uma melhoria habitacional, financiada no cartão de crédito dentro da loja e pelo consignado… vamos trazer todo esse mercado, que é muito mais caro, para fazer com uma taxa de juro mais justa. Vai estimular o segmento e trazer entrantes que querem fazer de uma maneira mais racional, com um funding [fonte de recursos] mais adequado, que é o crédito imobiliário. É uma operação que está em desuso e vamos trazê-la de volta com instrumentos novos.

P – A linha terá prazo mais longo?
CV – Sim, exatamente. O Brasil é um país que tem um estoque de imóveis muito grande. Tem muita gente que, ao invés de vender o imóvel, vai querer fazer uma melhoria. Se tiver uma linha de financiamento para fazer uma melhoria, ele vai ficar no mesmo imóvel. É uma lógica que não estava no alcance da gente. O mercado pode se beneficiar dela.

Temos a possibilidade de fundings advindos de recursos do FGTS e do SBPE. O prazo médio de financiamento do sistema para um imóvel novo na Caixa é de 12 a 14 anos em média. [Para reforma] você pode chegar a 8 anos. A precificação [das taxas] é coisa rápida. A gente quer fazer isso acontecer agora no segundo semestre. A partir de agosto, setembro.

P – Como está a discussão do Tesouro sobre aumento de repasse de dividendos?
CV – Se eu puder dar mais resultado para dar mais dividendos, eu vou fazer isso. A Caixa repassa 25% dos seus recursos na forma de dividendos. Tivemos no primeiro trimestre deste ano um lucro de R$ 4,9 bilhões, 71,5% maior que no mesmo período de 2024.
P – Quais são os resultados no caso do microcrédito?

CV – Entramos muito firme neste ano com o microcrédito. Começou a dar uma escalada. Começamos ali em dezembro e já estamos beirando 15 mil operações. Essa operação está vocacionada para o Centro-Oeste e o Norte e mira pequenos produtores extrativistas, pescadores, pequenos produtores de mel. Vamos começar a fazer 2.000 operações por dia.

O valor médio das operações é de R$ 12 mil, taxa de 0,5% e carência de um ano. A Caixa está usando recursos dos dois fundos constitucionais, o do Norte e do Centro-Oeste.

Quero fazer acima de 200 mil operações neste ano. Pelo valor médio, dá próximo de R$ 2 bilhões de operações. Queremos expandir. Fizemos um pedido de recursos ao Tesouro para fazer em outras regiões. Por enquanto, estamos na zona rural. Queremos chegar ao Sul, Sudeste.

P – Nesta ampliação do microcrédito a Caixa contratou uma empresa ligada ao ex-ministro e ex-presidente da Caixa Gilberto Occhi, político ligado à cúpula do PP e que tinha assento no conselho da subsidiária Caixa Cartões Pré-Pagos.
CV – Não tem nada do ex-ministro Occhi. Ele não tem absolutamente nenhuma relação com a empresa. É uma empresa que tivemos o cuidado de fazer busca de informação com o TCU [Tribunal de Contas da União]. Fizemos uma série de acompanhamentos com a área de risco e não tem nada que desabone do ponto de vista da contratação. Não é só uma empresa, vão ser credenciadas mais empresas.

E ele saiu do conselho. Não era ilegal, porque ele não era nem da Caixa. Ele estava uma das empresas nossas, onde somos minoritários. Do ponto de vista de direito administrativo, não tinha nenhum conflito. Ele saiu por uma questão de entender de que seria tranquilo. O TCU abriu uma consulta e viu que não tinha absolutamente nada.
P – Na área financeira, o que a Caixa planeja para 2025?

CV – O nosso grande desejo é avançar muito mais na tecnologia. Queremos iniciar no primeiro trimestre com o superapp da Caixa. Estamos discutindo qual é o melhor modelo. É um fato real, a Caixa é um banco que tem uma carteira enorme, nós aplicamos muito, mas nós não sabemos captar adequadamente. Nós precisamos aprimorar captação de cliente e de funding.

Nós melhoramos muito a captação de clientes. Hoje, 50% de quem abre conta na Caixa já abre a conta digital. Isso é um marco para nós. Precisamos instrumentalizar a Caixa com modelos que nos levem a um tipo de captação mais efetivo. Estamos olhando muito para o nosso modelo de inserção do mercado pela Asset e pela captação em balcão [canais de atendimento] mesmo.

Precisamos readquirir essa capacidade. Temos hoje um conforto de captação, mas, por exemplo, se eu quiser expandir nossa aplicação mais do que eu faço hoje, preciso ter uma estrutura robusta de captação.

P – Por que isso aconteceu [necessidade de melhorar captação de clientes e recursos]?
CV – Quando eu cheguei aqui, nós tínhamos um banco, mas não um propósito como banco múltiplo. Tínhamos um modelo, que estava funcionando de M&A [fusões e aquisições]. Ou seja, das nossas sociedades com outras estruturas, de seguradoras e tudo mais. Iniciamos um processo de reposicionamento da Caixa com a revisão de todo o planejamento estratégico.

Deixamos bem claro para todo mundo o que é o seu propósito, transformar a vida das pessoas. Como faz isso? Atuando nos grandes segmentos. A Caixa não atuava no atacado. Nós demos crédito em debêntures de um R$ 1 bilhão para o Magalu, ao mesmo tempo temos o [cliente] hipossuficiente economicamente e damos o microcrédito para ele. É um banco que tem como propósito essa transversalidade.

P – A Caixa é o banco mais atrasado?
CV – Daqui a um ano eu vou dar uma entrevista dizendo que a Caixa é o banco tecnológico mais moderno do mercado. Mesmo com essas fintechs todas aí. Vamos investir neste ano R$ 9,5 bilhões. Pela primeira vez no ano passado, nós chegamos a quase 100% de aplicação em tecnologia.

P – O ex-presidente do BC Roberto Campos Neto diz que os grandes bancos passam por um momento disruptivo com o impacto das novas tecnologias. Como avalia o cenário?
CV – É o que nós estamos fazendo. Nós avançamos. Temos hoje uma das melhores tecnologias de abertura de contas. Nenhum banco tem isso que a Caixa tem. Até porque os bancos digitais não têm agência. Eu entro na agência da Caixa e só com a minha digital faço qualquer operação. Para abrir a conta, você entra no app da Caixa e abre a conta por ele, como nas fintechs. Nós vamos ser uma fintech. A maior fintech do Brasil.

P – Qual o balanço que a Caixa faz sobre o consignado privado?
CV – A Caixa foi dos bancos o primeiro que aderiu a esse movimento. Nós temos a menor taxa hoje praticada nesse mercado, que é a taxa de 2,49%. Esse mercado passou 20 anos para formar R$ 40 bilhões de carteira. A Caixa fez R$ 1,3 bilhão até o momento. O mercado privado começou a ver isso como uma grande oportunidade também.

Crescemos no consignado do INSS também. Fazia quatro anos que não crescia a carteira de consignado. Nós estamos fazendo hoje o crescimento da carteira de todo o crédito consignado. Recrutamos hoje 1.100 empregados da Caixa desenvolvendo tecnologia para dentro da Caixa. Eles estão fazendo essa revolução.

P – A Caixa vai lançar a própria bet ainda neste ano?
CV – A expectativa é no segundo semestre. A Caixa está nesse mundo de jogos desde 1966. Tem todo o cuidado para fazer uma coisa bem criteriosa, com órgão de controle observando. A Caixa arrecadou no ano passado quase R$ 26 bilhões em jogos e 48% disso é transferido na forma de tributos.

Se a gente lançar neste segundo semestre, temos uma expectativa de, pelo menos, arrecadar uns R$ 2 bilhões. No próximo ano, algo em torno de R$ 7 bilhões. Se formos buscar a nossa participação no lado das bets, acreditamos que deve passar dos R$ 35 bilhões, R$ 40 bilhões de arrecadação [total] no ano que vem.

P – Qual o papel de um banco público com o brasileiro gastando tanto com jogos, levando ao endividamento das famílias?
CV – Temos o jogo consciente. Vamos investir muito na propaganda. Temos instrumentos de acompanhamento, de verificar o comportamento social das pessoas em torno disso. Tem jogos no mundo inteiro. Você tem que educar a sociedade no sentido de que ela faça o que a gente chama de jogo consciente.

P – Qual o impacto para as operações da Caixa com o impasse sobre o decreto de IOF?
CV – Eu não vou falar não. Essa bronca não é minha não. Essa bronca é dos outros. Está se discutindo a história do IOF, quando lá atrás foi maior.
P – O centrão ameaça desembarcar do governo. O sr. vai sair junto?
CV – Sou um executivo nomeado pelo presidente da República. A minha nomeação passa por governança. Quem tem a força para me botar e me tirar é o presidente.

Raio X | Carlos Vieira, 64 anos
Natural de Lagoa de Dentro (PB), é presidente da Caixa desde novembro de 2023. É mestre em Finanças pela Université Paris 1 Panthéon Sorbonne. Foi ministro interino de Cidades e Integração em períodos alternados entre 2014 e 2015. Foi diretor-presidente da Funcef (Fundação dos Economiários Federais, fundo de pensão dos funcionários da Caixa).