Os países do Brics alertaram que medidas voltadas para questões ambientais não devem ser usadas para disfarçar restrições ao comércio internacional. A mensagem, que consta no comunicado final, obtido pela Folha, da cúpula de líderes no Rio de Janeiro, pode ser interpretada como recado à União Europeia pela lei antidesmatamento.
“Enfatizamos que medidas tomadas no combate a mudanças climáticas, incluindo as unilaterais, não devem constituir um meio de discriminação arbitrária ou injustificável ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional”, diz trecho do documento.
Os membros do bloco expressaram grande preocupação com o tema e manifestaram oposição ao uso crescente de medidas comerciais unilaterais introduzidas sob a roupagem de preocupação ambiental, celebrando a criação de um “laboratório” do Brics voltado para Comércio, Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável.
Nesse espaço de debate, os membros do Brics esperam “melhor aproveitar os benefícios do comércio, responder de forma conjunta a medidas unilaterais e contribuir para esforços globais contra mudanças climáticas.”
A lei antidesmatamento da União Europeia, aprovada em 2023, proíbe que países do bloco importem produtos provenientes de áreas que foram desmatadas após dezembro de 2020.
A legislação está prevista para entrar em vigor em 30 de dezembro de 2025 para médias e grandes empresas. O prazo foi adiado depois de pressão de países exportadores, como o Brasil, que avalia que a medida é discriminatória e será usada para arrancar concessões. Segundo estimativas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a medida pode afetar 34% das exportações brasileiras para a Europa.
Os países do Brics também criticaram o “aumento indiscriminado de tarifas” como ameaça à redução do comércio global, sem citar nominalmente o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. No dia 2 de abril, o republicano anunciou uma alíquota linear de 10% sobre produtos comprados de outros países, inclusive do Brasil.
“A proliferação de medidas restritivas ao comércio, seja na forma de aumento indiscriminado de tarifas e medidas não tarifárias, seja de protecionismo sob o pretexto de objetivos ambientais, ameaça reduzir ainda mais o comércio global, interromper as cadeias de suprimentos globais e introduzir incerteza nas atividades econômicas e comerciais internacionais, potencialmente exacerbando as disparidades econômicas existentes e afetando as perspectivas de desenvolvimento econômico global”, diz trecho do documento.
Tensões Comerciais e Preocupações Econômicas
A declaração final dos líderes incorporou a linguagem já utilizada no comunicado dos ministros de Finanças e governadores de Bancos Centrais do Brics com relação aos temas econômicos. “Manifestamos sérias preocupações com o aumento de medidas tarifárias e não tarifárias unilaterais que distorcem o comércio e são inconsistentes com as regras da OMC [Organização Mundial do Comércio]”, repetiu.
Com relação ao cenário econômico global, os membros do Brics afirmaram que os altos níveis de endividamento em alguns países reduzem o espaço fiscal necessário para o enfrentamento dos desafios atuais, agravados por efeitos secundários das políticas financeiras de algumas economias avançadas -sem citar diretamente os EUA ou o Fed (Federal Reserve, o banco central americano).
“Taxas de juros elevadas e condições de financiamento mais restritivas agravam as vulnerabilidades da dívida em muitos países”, afirmam os membros do Brics. No Brasil, a taxa básica de juros (Selic) está fixada em 15% ao ano –o maior patamar desde julho de 2006.
Eles defenderam um tratamento adequado para a questão da dívida internacional para promover a “recuperação econômica e o desenvolvimento sustentável, levando em consideração as leis e procedimentos internos de cada nação, acompanhados de dívida externa sustentável e prudência fiscal.”
Sistema de Pagamentos Alternativo
Os países do Brics evitaram se comprometer com a criação de um sistema de pagamento alternativo, como mostrou a Folha. Alguns países do bloco, principalmente Brasil e Índia, trabalharam para diluir a menção à plataforma na declaração e conseguiram apoio para que se limitasse a uma referência vaga.
“Aguardamos a continuação dos esforços de nível técnico ao longo do segundo semestre de 2025, envolvendo Ministérios de Finanças e Bancos Centrais, para aprofundar a discussão e construir consenso sobre a plataforma, com o objetivo de que essas deliberações em andamento abram caminho para um progresso mais consistente e significativo”, afirma o documento.
Segundo um interlocutor ouvido pela Folha, a maioria dos integrantes do Brics prefere usar o seu próprio sistema de pagamentos e trabalhar em uma integração com mecanismos dos outros países em vez de desenvolver um novo sistema alternativo.
Nesse sentido, os líderes do Brics ressaltaram os avanços na busca de soluções que facilitem operações financeiras internacionais e impulsionem comércio e investimentos. Assim como no texto do grupo de finanças, há uma referência ao relatório técnico elaborado sobre sistemas de pagamentos entre países.
Na avaliação do grupo, esse estudo “deve desempenhar um papel fundamental em nossos esforços para facilitar pagamentos transfronteiriços rápidos, de baixo custo, mais acessíveis, eficientes, transparentes e seguros entre os países do Brics e outras nações, e que possam sustentar maiores fluxos de comércio e investimento.”
Além do Brasil, são membros plenos do Brics Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. A Arábia Saudita, convidada em 2023, nunca oficializou seu ingresso, mas tem escalado representantes para as reuniões.
*Texto de NATHALIA GARCIA E PATRÍCIA CAMPOS MELLO