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Brasil tem 72 facções criminosas e falta braços para 'seguir o dinheiro'

Operação Inverídico cumpre mandado de busca e apreensão em Osasco/SP para apurar crime de falsa identidade
Foto: Reprodução/PF
Operação Inverídico cumpre mandado de busca e apreensão em Osasco/SP para apurar crime de falsa identidade Foto: Reprodução/PF
Cleide Carvalho

SÃO PAULO (AG) – O Brasil tem 72 facções criminosas em atividade, duas delas com atuação transnacional (Comando Vermelho e PCC). Destas, 22 estão presentes em pelo menos 178 municípios da Amazônia Legal. As atividades ilegais abrangem diversos setores, mas o país não tem capacidade para rastrear o dinheiro. Para se ter uma ideia, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), principal unidade de inteligência financeira do país, recebeu em 2023 pelo menos 1,7 milhão de Comunicações de Operações Suspeitas (COS) e 4,4 milhões de Comunicações de Operações em Espécie (COE), que são transações feitas em dinheiro vivo, mas apenas uma pequena parte dessas informações recebeu análise humana.

Isso significa que transações financeiras de uma série de crimes, que vão do tráfico de drogas a fraudes, de venda ilegal de ouro a contrabando de agrotóxicos, não são avaliadas em detalhes para que possam se transformar em insumo para investigação. O alerta faz parte do estudo Segurança Pública e Crime Organizado no Brasil, divulgado nesta terça-feira pela Esfera Brasil e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Com menos de 100 servidores públicos trabalhando em sua estrutura, o Coaf produziu 16.411 Relatórios de Informações financeiras em 2023, dos quais 33,5% foram feitos a pedido da Polícia Federal, que teve 73,3% de suas solicitações atendidas (4.958). Outros 7.055 relatórios, 46,6% do total, foram feitos para as 27 polícias civis dos governos estaduais, que tiveram 64,1% de suas requisições eletrônicas atendidas.

Nos últimos 10 anos, o número de comunicações formais recebidas pelo Coaf aumentou 553%. Desde 2020, a média anual tem sido entre 6 e 7 milhões delas. No ano passado, 29% das comunicações foram de operações suspeitas. Segundo o estudo, que reúne dados do Coaf e do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), 31,3% dos ilícitos informados nos intercâmbios com o órgão correspondem a tráfico de drogas e 11% a facções criminosas.

As fraudes, que atormentam consumidores e instituições financeiras, aparecem em segundo lugar, com 17,3% do total, seguidas por corrupção (14,2%), crimes tributários (8,2%), tráfico de armas (3,7%) e extrações ilegais, principalmente de ouro, madeira, cobre e diamante (2,1%).

A violência imposta pelas facções criminosas é notória. Em 2021, segundo o último dado mundial consolidado, o Brasil registrou cerca de 10% de todos os homicídios do planeta, embora tenha apenas 3% da população. A América Latina, por sua vez, responde por um terço dos assassinatos no mundo.

Além do tráfico de armas e drogas, as facções atuam com roubo de veículos, cargas, medicamentos de alto custo e de estabelecimentos bancários e comerciais. Além da corrupção de agentes públicos, vende ou impede o acesso da população a serviços básicos, como luz, telefone, gás, retirada de lixo e transporte.

O estudo afirma ainda que já há relatos de policiais e assistentes sociais que mulheres vítimas de estupro ou violência doméstica, boa parte delas crianças com menos de 13 anos de idade, têm acesso limitado a hospitais, abrigos e delegacias especializadas, a depender de qual facção controla a região onde elas moram.

O crime organizado está ainda por trás do roubo e furto de celulares, com a receptação de aproximadamente 1 milhão de aparelhos por ano, muitos dos quais acabam usados em golpes, extorsões, crimes financeiros e até cibernéticos, como exploração sexual de crianças e sequestro de criptoativos. Tráfico de pessoas, de animais e biopirataria também são crimes comandados por facções.

Um dos ilícitos mais antigos do país, o contrabando de cigarros do Paraguai, ainda desafia as autoridades. Em 2022, quatro a cada dez maços de cigarros consumidos por brasileiros vieram do país vizinho. Nos últimos 11 anos, esse crime, que se tornou corriqueiro, levou o Brasil a deixar de arrecadar R$ 94,4 bilhões em impostos.

E a fronteira do Paraguai segue como porteira de ilícitos. O Paraguai é o destino de veículos roubados no Sul e Sudeste do Brasil e fornece em troca maconha, skunk, armas e cocaína e seus derivados, além dos cigarros. A região Centro-Oeste absorve esses mesmos produtos do país vizinho, mas aumenta a lista com carros roubados.

Veículos roubados no Centro-Oeste cruzam a fronteira da Bolívia e, de lá, muitos são levados para a região Norte do Brasil ou para o Suriname. O ouro ilegal, que também passa por um processo de lavagem e sai do Brasil legalizado, tem rotas diretas da Amazônia para Suriname, Venezuela, Bolívia, Ásia e América do Norte, segundo o mapeamento incluindo no estudo.

A estimativa é que no auge do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, mais de 100 pilotos se instalaram em Boa Vista, capital de Roraima, para servir aos garimpos, seja levando mantimentos aos garimpeiros ou retirando ouro extraído no local – cada voo custava até R$ 10 mil. Ou seja, um controle aéreo eficiente poderia inibir o crime.

De acordo com o estudo, diamantes, por sua vez, saem das regiões Sul e Sudeste com destino à América do Norte, Ásia e Europa.

No caso dos defensivos agrícolas, ou agrotóxicos, a porta de entrada tem sido Argentina e Uruguai, além de remessas feitas diretamente da Ásia para a o Sudeste brasileiro.

Os autores do estudo afirmam que falta ao Brasil uma coordenação nacional de combate ao crime organizado que atue com as mais de 86 corporações policiais do país, além de cerca de 1.500 agências municipais, estaduais ou federais com poder de polícia e aplicação de leis em matéria de segurança.

Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública , com base em dados do Escritório da ONU para Crimes e Drogas, estimou que só a cocaína que transita no Brasil, seja para consumo interno ou exportação, gera um faturamento de US$ 65,7 bilhões (ou R$ 335,10 bilhões), o que equivale a 3,98% do PIB do país em 2021. As autoridades estimam que, mesmo com todos os esforços de combate, seguem por mês quatro toneladas de cocaína pura para a Europa. Em média, apenas 10% da carga consegue ser apreendida.

Entre as propostas dos autores do estudo para combate ao crime organizado está a criação de um Comitê Interministerial de Combate ao Crime Organizado, que agregaria os governos estaduais e estabeleceria metas, prazos e operações conjuntas; a aprovação, pelo Congresso, da Lei Geral de Proteção de Dados de Interesse da Segurança Pública, para regular o compartilhamento de dados de investigações criminais, e ampliação do Coaf, com incremento de tecnologia e pessoal.

O estudo alerta ainda que novas tecnologias e produtos financeiros — Drex, criptoativos e o super App 38, que vem sendo desenvolvido pelo Banco Central para reunir informações bancárias e financeiras de pessoas físicas e jurídicas – devem levar em consideração riscos e oportunidades de informações sobre a movimentação de recursos ilícitos. O objetivo deve ser não retroalimentar o poder e o portfólio das facções criminosas.