O VOTO DE CÁRMEN

Brasil que dói, vírus do autoritarismo, indiretas a Fux, Bolsonaro líder

Na leitura de seu voto nesta quinta-feira (11) no julgamento da trama golpista, a ministra Cármen Lúcia afirmou que o Brasil tem uma história repleta de rupturas institucionais

Na leitura de seu voto nesta quinta-feira (11) no julgamento da trama golpista, a ministra Cármen Lúcia afirmou que o Brasil tem uma história repleta de rupturas institucionais
Na leitura de seu voto nesta quinta-feira (11) no julgamento da trama golpista, a ministra Cármen Lúcia afirmou que o Brasil tem uma história repleta de rupturas institucionais Foto: Luiz Roberto/Secom/TSE

Na leitura de seu voto nesta quinta-feira (11) no julgamento da trama golpista, a ministra Cármen Lúcia afirmou que o Brasil tem uma história repleta de rupturas institucionais, que o processo é um encontro do país com seu passado, presente e futuro, lançou indiretas ao colega Luiz Fux, que falou por mais de 12 horas na quarta-feira (10) em seu voto, e definiu Jair Bolsonaro (PL) como líder da organização criminosa.
Com o voto da ministra, o STF formou maioria para condenar o ex-presidente e os outros réus do núcleo central da trama golpista pelos crimes apontados pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
Entre os crimes estão o de tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado democrático de Direito.
O voto de Cármen foi o quarto, após o relator, Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Fux. Leia abaixo algumas das principais frases da ministra.
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BRASIL E AUTORITARISMO
A ministra descreveu o processo como um encontro do Brasil com seu passado, presente e futuro, revelador dos avanços republicanos e obstáculos democráticos na história do país.
“Há processos que despertam maior ou menor interesse da sociedade, o que não é também nada de novo, seja em uma cidade pequena, seja para todo o país. Toda ação penal impõe um julgamento justo e aqui não é diferente. O que há de inédito, talvez, é que nessa ação penal pulsa o Brasil que me dói. A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro, mas na área especificamente das políticas públicas dos órgãos de Estado”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

“Nossa República tem um melancólico histórico de termos poucos republicanos. E por isso a importância de cuidar do presente processo no ano em que comemoramos 40 anos do início da redemocratização”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

“Não foram apenas de rosas esse período. Tivemos dois impeachments de presidentes da República, estudantes foram às ruas, jovens pleiteando os direitos que a Constituição assegura em sua efetividade jurídica e social, caminhoneiros foram às ruas com reclamos e nós, juízas e juízes, precisamos, como todas as instituições, verificar, responder. Mas as instituições brasileiras seguiram sem alternativa as suas funções, sem parar em seus serviços essenciais, permitindo que se afirme, hoje, pelo menos da minha parte, que se houve dor, também houve muita esperança. Apesar dos pesares, apesar dos percalços, dos perrengues, dos momentos de refrega, que não foram poucos”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

“Por mais que se cuide da saúde pública e política de uma sociedade, por mais que se cuide da estrutura institucional, por mais que se cuide de produzir instrumentos ou vacinas constitucionais e legais para se imunizar a sociedade e o Estado de aventuras ditatoriais, em nenhum lugar do mundo se tem imunidade absoluta contra o vírus do autoritarismo, que se insinua insidioso, destilando seu veneno a contaminar liberdades e direitos humanos, a liberdade da humanidade”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

Repercussão e Crime Político

A ministra ainda fez menção ao assassinato de Charlie Kirk, apoiador de Donald Trump que foi alvo de ataque na Utah Valley University nesta quarta-feira (10).
“Houve um grave crime político. Um jovem [Charlie Kirk], que é de uma posição política aparentemente do lado do atual presidente dos Estados Unidos [Donald Trump], mas pouco importa, levou um tiro. E é curioso notar, porque há uma ideia segundo a qual anistia, o perdão, é igual à paz. E foi feito perdão nos Estados Unidos. E não há paz”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

“Porque, na verdade, o que define a paz que nós sempre devemos buscar não é a existência do esquecimento. Às vezes, a paz se obtém pelo funcionamento adequado das instâncias repressivas do Estado”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

“Eu acho que o Brasil só vale a pena porque estamos conseguindo ainda manter o Estado democrático de Direito. E todos nós, com nossas compreensões diferentes, estamos resguardando isto e só isto: o direito que o Brasil impõe que nós julgadores façamos valer”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

Indiretas a Luiz Fux e Foro Privilegiado

INDIRETA A FUX
Em dobradinha com o colega Flávio Dino, Cármen fez críticas indiretas a Luiz Fux, que proibiu os demais ministros de fazerem comentários ao longo de seu voto de mais de 12 horas.
“[Concedo] todos [os apartes]. Mas desde que seja rápido, porque também nós mulheres ficamos 2.000 anos caladas, nós queremos ter o direito de falar, mas eu concedo, como sempre. Apartes estão no regimento do STF, o debate faz parte do julgamento, tenho o maior gosto em ouvir, eu sou da prosa”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

A ministra também fez menção indireta à mudança de posicionamento de Fux em relação ao tema do foro privilegiado em seu voto na quarta-feira.
“Também se alegou sobre a competência do STF e desta Primeira Turma. Como outros que vieram em 19 anos e meio integrando este STF, este tema veio para nós desde 2007 quando veio a AP 470. E eu sempre votei do mesmo jeito. Entendo que pelas características, e das pessoas indicadas que se faziam acompanhar, entendo que a competência é do STF. Então não há nada de novo para mim”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

Bolsonaro como Líder e o Ataque às Instituições

BOLSONARO LÍDER
Em seu voto, a ministra destacou que enxerga prova cabal de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) liderou grupo para atacar instituições democráticas e se perpetuar no poder.
“Acho e já antecipo que fez prova cabal de que o grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro, composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022 e minar o livre exercício dos demais Poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

“Ele não foi tragado para o cenário de violências, ele é o líder, ele é o causador para que se chegasse ao objetivo de tomada do poder. Há um acervo enorme para indicar os planos de tomada de poder que não ficou no mundo das ideias nem de registros particulares”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

Urnas Eletrônicas e Confiança Popular

URNAS ELETRÔNICAS
“A urna hoje é efetivamente algo do povo brasileiro. Qualquer manifestação que se tenha, até manifestações populares, nós temos a referência à urna, que é pública, é do povo, algo que foi sendo implantado para que a gente ultrapassasse problemas que nós já tivemos do sistema eleitoral brasileiro no início do século passado”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

“Então, desmoralizar essa urna não é um processo fácil, porque é uma crença, uma confiança que o povo tem nisso que ele vê acontecer. Nós não fazemos nada na Justiça Eleitoral que não seja transparente, seguro, e damos notícia para o povo. Qualquer inovação que é feita na urna a gente começa fazendo paulatinamente”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

Harmonização vs. Neutralização: Um Causo

CAUSO
Em momento mais descontraído do voto, Cármen Lúcia disse que foi abordada por uma pessoa que confundiu “neutralização” com “harmonização” de Alexandre de Moraes.
“Outro dia, entrando na farmácia, uma pessoa me disse que vossa excelência [Moraes] era muito… não me lembro a palavra, mas não foi muito bacana. Ela disse assim: ‘Só porque falou que queriam neutralizá-lo. Neutralização não é ruim’. Como assim? Ela disse: ‘Uma amiga minha que fez neutralização ficou muito bem’. Não, a senhora está confundindo com harmonização”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

Atos Executórios e a Tentativa de Ruptura Institucional

ATOS EXECUTÓRIOS
A ministra afirmou que a PGR conseguiu demonstrar que os réus agiram coletivamente para tentar a ruptura institucional e não ficaram somente em considerações hipotéticas ou em estágio de preparação.
“Tudo isso mostra cabalmente ações de grupo, violência em potencial ou violência grave, ameaças graves, ações de toda natureza praticadas, portanto cumprindo-se rigorosamente todas as exigências legais (…) Atos tidos como preparatórios não podem se considerar atos sem efeito, mas nós estivemos próximo mesmo de uma ruptura institucional, próximos mesmo”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

“Essa prática de monitoramento, por exemplo, de autoridades do Poder Judiciário, de eleitores, a pressão para adesão às minutas, a própria minuta [do golpe], que ainda que tenha sido feita e refeita só mostra que não era momentâneo, por tudo isso se caracteriza que foi comprovado nos autos a prática desses atos, como também de dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado”
Cármen Lúcia
No julgamento da trama golpista

GUILHERME SETO