As petroleiras brasileiras se uniram a uma organização ambientalista para elaborar uma proposta com critérios para planejar a transição para um mundo sem petróleo. Um deles, que favoreceria o Brasil, é a competitividade da produção, tanto em custo quanto em intensidade de carbono.
O objetivo é apresentar o debate na COP30, conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) que será realizada em novembro em Belém, com apoio do governo brasileiro. A transição para um mundo sem combustíveis fósseis foi incluída na declaração da COP28, em Dubai, mas as discussões não avançaram no encontro seguinte, em Baku (Azerbaijão).
O texto da COP28 diz apenas que o processo deve ser feito de maneira “justa, ordenada e igualitária”. “A gente vê a COP30 como uma oportunidade para que o Brasil comece essa discussão”, diz Amanda Ohara, coordenadora do ICS (Instituto Clima e Sociedade), um dos parceiros da proposta.
O outro é o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), que representa as petroleiras com operação no Brasil. “Já que o mandato da COP28 é a saída gradual dos fósseis, temos que pensar em como o Brasil deve se posicionar”, diz o presidente da entidade, Roberto Ardenghy.
As duas instituições encomendaram à consultoria Catavento um estudo propondo critérios para o debate sobre quem deixará de produzir petróleo primeiro.
“Essa discussão da saída da dependência de fósseis não pode ser binária: ou sim ou não”, diz Clarissa Lins, da Catavento, ressaltando que diversas projeções apontam que a demanda por petróleo seguirá crescente nos próximos anos.
Sua proposta classifica países de acordo com cinco critérios: a dependência das receitas do petróleo, a competitividade da produção, a segurança energética, o perfil de emissões de gases do efeito estufa e a resiliência institucional de cada país.
Com base neles, Clarissa divide os países em três categorias, com o objetivo de minimizar turbulências no processo de transição energética: líderes, seguidores e vulneráveis.
O primeiro grupo reúne países com baixa dependência de receitas do petróleo, produção pouco competitiva, maior segurança energética, histórico de elevadas emissões e segurança institucional. Se enquadrariam Alemanha, China, Estados Unidos e Canadá, por exemplo.
O segundo, em posições intermediárias nos quesitos, teria, por exemplo, Brasil, Rússia, Noruega e Emirados Árabes Unidos.
O terceiro grupo, com maior dependência de petróleo, elevada competitividade na produção, desafios para a transição energética, baixas emissões e resiliência institucional mais frágil, incluiria Índia, Arábia Saudita e Nigéria.
Clarissa diz que o estudo propõe “um viés mais analítico e menos político” da questão. “O que faz sentido para levar para essa discussão? Vamos botar na mesa os dilemas e mostrar que cada país tem que ter a sua trajetória e o seu ritmo.”
De acordo com o estudo, o Brasil “tem espaço ainda para produzir, enquanto consolida esse sistema energético alternativo que tem que prover as nossas necessidades energéticas”, diz. O próximo passo é incluir mais países entre as categorias.
O argumento da competitividade do petróleo, principalmente em relação à intensidade de carbono, já vem sendo usado pela Petrobras e pelo governo para defender a autorização para um poço na Bacia Foz do Amazonas, considerada a mais promissora nova fronteira exploratória do país.
Defensores de cortes abruptos na produção, porém, ponderam que a maior parte das emissões do petróleo se dá no consumo e que não é possível garantir que novas fronteiras exploratórias brasileiras, como a margem equatorial, terão a mesma eficiência de emissões que o pré-sal.
“Claro que, se a gente tivesse um sistema energético que conseguisse ser abastecido por fontes de menor intensidade de carbono amanhã, seria possível parar [a produção de petróleo]. Mas combater oferta sem levar em conta de que a demanda persiste é utópico”, argumenta Clarissa.
A COP30 ocorre sob a sombra do governo Donald Trump, aliado das petroleiras, que já deixou o Acordo de Paris. Mas Amanda, do ICS, vê muitos atores ainda interessados no debate e diz que é uma discussão que não vai acabar agora.
A entrada das petroleiras no debate, diz, eleva a importância da proposta. “Sem pragmatismo, não há possibilidade de avançarmos”, afirma. “Toda essa movimentação parte de uma necessidade, não é de vontade de ‘abraçadores de árvores’. Estamos cada vez mais vivendo os efeitos da mudança do clima.”
Categorias de países propostas pelo estudo
Líderes
Pequena dependência da receita do petróleo, menor eficiência de custo e emissões na produção de petróleo, melhor preparo para garantir a segurança energética, elevadas emissões acumuladas e atuais e altonível de desenvolvimento humano e institucional.
Exemplos: Alemanha, China, Estados Unidos e Canadá
Seguidores
Moderada dependência da receita do petróleo, média eficiência de custo e emissões na produção de petróleo, preparo moderado para garantir a segurança energética, médias emissões acumuladas e atuais e alto a moderado nível de desenvolvimento humano e institucional.Exemplos: Brasil, Rússia, Noruega e Emirados Árabes Unidos
Vulneráveis
Alta dependência da receita do petróleo, alta ou média eficiência de custo e emissões na produção de petróleo, baixo preparo para garantir a segurança energética, baixas emissões acumuladas e atuais e baixo de desenvolvimento humano e institucional.
Exemplos: Índia, Arábia Saudita e Nigéria