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A produção sustentável do açaí como meta para os próximos anos

Eduardo Nicácio é doutor em Direito pela UFMG
Eduardo Nicácio é doutor em Direito pela UFMG

Eduardo Nicácio*

Em um contexto mundial marcado pelo agravamento das preocupações com a emergência climática, cresce (ainda mais) a relevância da região amazônica  brasileira para a garantia da sobrevivência do planeta. Dentre as cadeias produtivas tradicionais, o cultivo do açaí, um dos grandes símbolos da cultura local, enfrenta o desafio de se fortalecer e se expandir de forma sustentável. Se por um lado a demanda interna e mundial pelo açaí é crescente, por outro, processos industriais de monocultura do açaí, o que vem sendo chamado de “açaização” das áreas, assumem a frente da produção nacional em termos quantitativos, acendendo a luz de alerta para a sustentabilidade da ampliação desse mercado.

A Amazonbai, cooperativa formada por produtores de açaí e parceiros sediada no Arquipélago do Bailique, um conjunto de oito ilhas na Foz do Rio Amazonas, no Estado do Amapá, foi criada com o objetivo declarado de incentivar o manejo de mínimo impacto do açaí a partir de uma ação de base comunitária e cooperada. Todo o trabalho foi pensado e implementado, desde o início, para ocorrer de forma participativa e coletiva. De partida, um protocolo comunitário foi feito envolvendo as comunidades do Arquipélago do Bailique. Posteriormente, as comunidades vizinhas do Beira Amazonas foram incluídas no processo, construindo também o seu protocolo comunitário.

Esse início foi essencial para despertar o sentimento de coletividade e cooperação entre os produtores rurais, bem como assegurar o interesse genuíno das comunidades em participar da ação. Assim, foi realizada uma forte articulação com os atores e parceiros envolvidos, fundamental para a realização de um diagnóstico socioambiental capaz de tratar de aspectos importantes da identidade, território e história dessas comunidades. Esse processo foi importante também para gerar o engajamento e a mobilização inicial dos atores, uma vez que a partir do entendimento do contexto comunitário foi possível desenvolver um processo inclusivo de estabelecimento de confiança e vínculos, valorizando o conhecimento e o trabalho das comunidades.

Juntos, os ribeirinhos puderam criar um empreendimento capaz de gerar empregos e trazer desenvolvimento para a região através da produção sustentável de açaí. A cooperativa comprou, então, os equipamentos necessários e estruturou  sua produção em uma agroindústria alugada para produzir a polpa de açaí, que vem sendo comercializada em diferentes mercados.

Vale destacar que o açaí produzido pela Amazonbai é o primeiro no mundo a ser 100% certificado pelo FSC® (o certificado da Forest Stewardship Council-FSC®, reconhecido no mundo todo), que também conta com o Selo de Produto Vegano. A conquista e a manutenção dessas certificações, indiscutivelmente, dá credibilidade ao produto e sinaliza para investidores e consumidores que o empreendimento leva a sustentabilidade a sério. Esse compromisso se reflete no manejo da floresta, que é feito através da implementação de boas práticas de manejo de mínimo impacto, produção sem agrotóxicos e fertilizantes, respeitando as normas de segurança de trabalho e uma quantidade máxima de pés de açaí no meio da floresta.

Os próximos passos para o programa do açaí no Amapá incluem a obtenção da certificação orgânica e a instalação de equipamentos que proporcionarão à cooperativa Amazonbai o alcance de mercados externos mais disputados.

Para consolidar o trabalho em curso e como resultado do amadurecimento coletivo e institucional adquiridos nos primeiros anos de existência, a Amazonbai passou por um processo intenso de construção do seu planejamento estratégico. Tanto os alicerces da estratégia quanto a projeção do trabalho foram discutidos, envolvendo a repactuação da visão, missão, valores e objetivos do trabalho, contando com a escuta ativa dos produtores e a aprovação do planejamento em assembleia ordinária da cooperativa.

Todo esse trabalho de estruturação sustentável da cadeia do açaí no Amapá tem sido desenvolvido com a educação ocupando um papel central. Pois, paralelamente às ações de estruturação de uma cadeia produtiva da sociobiodiversidade, há um trabalho de fortalecimento da gestão administrativa e de estímulo aos projetos políticos pedagógicos integrados à cadeia produtiva, como é o caso das escolas das Escolas Famílias Agrícolas e das Casas Rurais Familiares. Inclusive, um fundo patrimonial acaba de ser estruturado, o Future, visando garantir a continuidade da atuação dessas escolas que têm a pedagogia da alternância como guia metodológico.

Todos os processos de construção coletiva, especialmente aqueles voltados para a geração de renda comunitária com base em ações sustentáveis, são de execução complexa, haja visto as questões logísticas, de escassez de recursos e de ausência de políticas públicas na região. Não é simples organizar bases produtivas, articular territórios, agir ambientalmente de forma correta, agregar valor a um produto de base comunitária, abrir mercados para um novo produto e gerar auto suficiência numa ação de economia solidária.

O agir coletivo é, portanto, uma missão que só não é utópica em decorrência da urgência de se criar soluções para as necessidades reais. Urge, então, encontrar saídas para a dignidade socioeconômica de milhares de comunidades rurais que vivem à margem da sociedade, quase sempre sendo exploradas como mão de obra barata. Urge, igualmente, estimular modelos produtivos que não gerem tanta pressão e estresse para o meio ambiente, que sejam construídos tendo como fundamento o respeito máximo à natureza e os recursos naturais.

 

Eduardo Nicácio é doutor em Direito pela UFMG. Já atuou como coordenador do programa de pesquisa-ação Pólos de Cidadania da UFMG (2007 a 2017), do Fórum Mineiro de Direitos Humanos (2008 a 2010) e da Superintendência de Promoção dos Direitos Humanos de MG (2018). Desde 2019, trabalha como consultor do Instituto Interelos desenvolvendo estudos e ações socioeconômicas sustentáveis e inclusivas.