
A cada 10 minutos, pelo menos um caso de autoagressão envolvendo adolescentes com idades de 10 a 19 anos é registrado no Brasil. Apenas nos últimos dois anos, a média diária chegou a 137 atendimentos nessa faixa etária, incluindo casos de violência autoprovocada e tentativas de suicídio. Os dados são de uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgada nesta segunda-feira, 29, com base nos dados do Ministério da Saúde, entre os anos de 2023 e 2024.
No total, o país registrou mais de 100 mil casos de autoagressão no período analisado. Esse distúrbio de comportamento faz com que o paciente agrida o próprio corpo ao sentir profunda tristeza, raiva, nervosismo ou viver um trauma. É considerado um transtorno psiquiátrico que exige tratamento, terapia e medicação e está associado de maneira independente com sintomas de depressão e ansiedade, comportamento antissocial, de alto risco de uso de álcool, drogas e cigarro.
“Muitas vezes, as autoagressões representam um pedido silencioso de ajuda. Diante dos desafios do dia-a-dia, é fundamental que pais, responsáveis e educadores escutem e, sobretudo, acolham os adolescentes. O acompanhamento com o pediatra também tem papel central, já que, nas consultas, ele pode atuar de forma preventiva, identificando sinais de alerta e orientando tanto o adolescente quanto a família”, afirma o presidente da SBP, Edson Liberal.
Estados e regiões
Em números absolutos, o Sudeste concentra quase metade das notificações nacionais (46.918 em 2023 e 2024), puxado por São Paulo, que sozinho responde por 24.937 registros. O Nordeste aparece em segundo lugar (19.022), com destaque para Ceará (4.320) e Pernambuco (4.234), que juntos representam quase metade dos casos da região.
O Sul registra proporção semelhante (19.653), liderado pelo Paraná (8.417). No Centro-Oeste, foram 9.782 notificações, com números expressivos em Goiás (3.428) e no Distrito Federal (3.148). Já o Norte, menos populoso, soma 5.303 ocorrências, sendo o Pará (1.174) e Tocantins (1.183) os principais responsáveis.
Os números podem ser ainda maiores devido a subnotificação por falhas no preenchimento ou na comunicação das ocorrências, inclusive nos atendimentos da rede privada e em ocorrências em ambiente escolar.
Casos graves e óbitos
Um dos pontos de maior destaque é o número de casos que, pela gravidade, ultrapassaram o atendimento médico inicial e resultaram em internações hospitalares e óbitos. Em 2023 e 2024, as notificações enviadas por unidades e serviços públicos de saúde apontaram 3,8 mil hospitalizações de adolescentes por violência autoprovocada, o equivalente a uma média de cinco internações por dia. A maior parte ocorreu entre jovens de 15 a 19 anos (2,7 mil), seguida pelo grupo de 10 a 14 anos (1,1 mil).
Além dos registros de autoagressão e internações, o levantamento da SBP revela que cerca de mil adolescentes, de 10 a 19 anos, perdem a vida por suicídio a cada ano no Brasil. Em 2023, foram 1,1 mil óbitos; em 2022, 1,2 mil, de acordo com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). A faixa etária mais afetada é a de 15 a 19 anos, com aproximadamente 2 mil mortes no período, enquanto entre 10 e 14 anos foram pouco mais de 300.
“O suicídio não ocorre sem um histórico de sofrimento psíquico; é a consequência final de um processo de desesperança profunda. Estar atento a mudanças bruscas de comportamento dos jovens é fundamental, pois elas costumam ser os sinais de alerta mais claros”, pontua a presidente do Departamento Científico de Prevenção e Enfrentamento das Causas Externas na Infância e Adolescência da SBP, Renata Waksman.
Sinais de alerta
A Sociedade de Pediatria chama atenção para sinais que podem resultar em uma tentativa de suicídio: tristeza ou insatisfação persistentes, abandono de atividades que antes eram prazerosas e ausência de expectativas ou planos para o futuro. “A adolescência é justamente o período de maior desenvolvimento emocional e de formação da identidade. Os jovens têm uma grande necessidade de aceitação social, o que os torna mais vulneráveis. Por ser um período crítico e muitos transtornos começarem antes dos 14 anos, grande parte não é identificada e tratada”, explica Renata.
A especialista observa que a saúde mental dos adolescentes sofre influência de diversos fatores, entre eles a sobrecarga das famílias, a organização escolar voltada quase exclusivamente para o conteúdo e a carência de acompanhamento médico contínuo. Os principais fatores de risco para um episódio suicida são a impulsividade e as dificuldades emocionais típicas da adolescência: autoestima baixa, desesperança, solidão; facilidade de acesso a meios letais, como venenos e armas; e o grande estigma em relação à saúde mental, que dificulta o pedido de ajuda.