O Remo buscava ansiosamente reconquistar o título estadual após dois anos de fracasso nas tentativas – o Águia venceu em 2023 e o Paysandu ganhou no ano passado. Acumulava uma dívida com o torcedor, cuja ambição maior é levantar taças. Compreender essa ansiedade da torcida foi algo aparentemente difícil para as gestões azulinas nas últimas décadas.
Um exemplo disso, que parece uma cultura de acomodação, foi a amadora preparação para as finais da Série C em 2021. Os jogadores foram à Doca festejar o acesso junto à torcida em plena pandemia e o Remo perdeu o time titular para a disputa do título com o Vila Nova, adversário de amanhã, no Mangueirão. Acabou derrotado por puro desleixo.
Curiosamente, os dirigentes não demonstraram frustração com o ocorrido. Ficou faltando uma apuração interna rigorosa – se houve, ninguém ficou sabendo – para descobrir quem negligenciou cuidados tão básicos.
Um grande clube, com torcida gigante e apaixonada, não pode incorrer em atos de incúria que envolvem a chance de ganhar títulos. A própria forma como o Remo encara a Copa Verde exemplifica isso. Ganhou apenas uma vez – sobre o Vila Nova –, mas poderia ter chegado a outras decisões.
Na competição deste ano, a eliminação foi particularmente vexatória. Mesmo atuando dentro de casa, com portões fechados, o time treinado à época por Rodrigo Santana foi subjugado pelo S. Raimundo-RR, e ficou tudo por isso mesmo, como se não tivesse maior importância.
Fiz essa contextualização para ressaltar a mudança de postura observada em relação ao Estadual deste ano. A troca de técnico, que já se fazia necessária, foi fundamental para que o time ganhasse em competitividade. Os reforços tornaram o elenco mais experiente e qualificado.
Os ajustes, tanto no comando como no elenco, foram fundamentais para a conquista do Parazão. Daniel Paulista aproveitou o curto período de intertemporada, durante a interrupção do campeonato, para conhecer os atletas e trabalhar um novo modelo de jogo, diferente do anterior (3-4-3).
Com um time mais cascudo, em viés de alta na Série B, o Remo entrou na decisão com ligeiro favoritismo, embora a rivalidade consiga equilibrar os clássicos. E, mesmo com desfalques importantes – Jaderson, Sávio, Janderson e Klaus – no confronto final, a vitória veio.
Os acertos nas contratações do técnico e dos jogadores garantiram estabilidade, foco e qualidade. Como efeito direto disso, o Remo voltou a mostrar alma e transpiração, com maciço apoio da torcida, para arrancar o título nas penalidades – onde também tinha ido mal nas disputas recentes, contra PSC (Copa Verde 2024) e S. Raimundo-RR (CV 2025).
Pelo hexa, CBF traz o melhor técnico possível
O preço é alto – R$ 4,8 milhões mensais – até para os padrões nababescos da CBF, mas vale o investimento. O Brasil, que nunca esteve sob o comando de um estrangeiro em Copas do Mundo, vai inaugurar essa nova era logo com o melhor técnico possível nas circunstâncias. Carlo Ancelotti nunca treinou seleções nacionais, mas tem o melhor currículo entre os técnicos atuais, com cinco Champions League e uma penca de títulos nacionais e mundiais dirigindo clubes.
A novela envolvendo CBF e Ancelotti vem desde 2024 e, de início, pareceu um delírio de Ednaldo Rodrigues. Firmou um acordo, mas virou alvo de piadas no Brasil porque Ancelotti nunca confirmou, talvez para evitar problemas com Florentino Perez, o todo-poderoso presidente do Real.
Na última investida de Ednaldo, o técnico chegou a declarar que nunca havia tratado de negociação com a CBF. No final de abril, porém, as coisas começaram a clarear para os planos da entidade. O Real foi eliminado da Liga dos Campeões e a saída de Ancelotti passou a ser admitida pela mídia espanhola. Com o fracasso em La Liga, definido com a derrota para o Barcelona no domingo (11), a saída ficou sacramentada.
A questão agora é saber qual a autonomia do técnico em relação à escolha de jogadores. Este é um item do pacote que causou a ruína de todos os técnicos que comandaram a Seleção depois da Copa de 2002. A subserviência às vontades da CBF gerou situações bizarras, como a convocação de nove jogadores (medianos) representados por um empresário. O poder de influência de figuras externas é um ponto que Ancelotti terá que enfrentar – ou a entidade terá que enfrentar por ele.
Uma seleção, o nome já diz, é a reunião de uma elite de atletas. Ancelotti pode representar importante ruptura de hábitos, elevando o futebol brasileiro a um outro patamar em Copas do Mundo. Terá a chance de finalmente reunir os melhores de cada posição na Seleção Brasileira. Se nem ele conseguir, aí estamos realmente perdidos.
Outro ponto que requer atenção é o tempo que ele terá para treinar os jogadores em busca de entrosamento a apenas um ano da Copa do Mundo de 2026, que será jogada no México, EUA e Canadá. Tempo exíguo para o tamanho do desafio de resgatar o futebol brasileiro, tirando-o do limbo em que se encontra, tendo virado inclusive saco de pancadas no continente.
Como é um europeu e conhece a fundo o futebol do Velho Continente, onde atua a imensa maioria de jogadores selecionáveis, Ancelotti já leva uma expressiva vantagem sobre os técnicos nacionais. O conhecimento sobre jogadores brasileiros de primeira linha também deve encurtar o tempo necessário para formar um time competitivo para o Mundial de 2026.
Esta é a esperança geral. É de amplo conhecimento que a CBF faz lambanças em série há muito tempo, mas de vez em quando acerta. A escolha de Ancelotti é um desses tiros certeiros. Que a sorte venha junto. Nelson Rodrigues disse que precisamos dela até para atravessar a rua.