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“A vastidão da noite” e o medo do desconhecido

Há algo no céu. Uma sentença repetida incessantemente e que nunca chega a ser, de fato, uma constatação. Mas trata-se de uma suspeita compartilhada por vários personagens, o que amplifica o seu efeito sobre o psicológico, fazendo com que o tecido entre a realidade e a imaginação fique cada vez mais transparente e a tensão que paira no ar assuma um caráter de urgência, instaurando o medo. De quê? Não se sabe exatamente. Podem ser os comunistas lançando um ataque ou seres de outro planeta planejando uma invasão. É uma ameaça, em princípio, invisível. E, como dizia Lovecraft, “a emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido”.

“A vastidão da noite”, lançado em 2019, cria uma atmosfera sombria e, ao mesmo tempo, empolgante, que explora não só o medo, mas o nosso fascínio pelo desconhecido em uma época em que a corrida espacial estava em voga e a Guerra Fria causava paranoia no cidadão comum, até mesmo em quem vivia na pacata cidadezinha de Cayuga, no Novo México, Estados Unidos, vizinha a Santa Mira. E perceba que a dualidade entre horrores reais e fictícios se mantém até nos pequenos detalhes, já que estes são nomes intrínsecos à ficção científica clássica, pois Cayuga era o nome da produtora de Rod Serling, criador de “Além da Imaginação”, e Santa Mira foi o alvo da invasão alienígena em “Vampiros de Almas” (1956).

O filme, aliás, já começa com esse aceno à chamada zona crepuscular, a quinta dimensão, como se nos jogasse em um episódio de uma série à la “Além da Imaginação”, aqui denominada de “Teatro Paradoxo”, com direito à narração introdutória de Mark Silverman, que emula Serling, e estética granulada, o que casa perfeitamente com a proposta de nos inserir em um universo que evoca, em um primeiro momento, segurança pela familiaridade e, também, certa nostalgia. Mas isso é tudo de forma aparente, já que as decisões a partir do momento em que a história inicia para valer nos levam a um caminho totalmente oposto.

Andrew Patterson, em sua estreia na direção – ele também escreveu o roteiro do filme ao lado de Craig Sander -, é bastante competente na execução do filme, cujo flerte com o anticlímax é constante e poderia resvalar no tédio para o espectador, afinal trata-se de uma obra que preza pela construção lenta e gradual de personagens, que são extremamente reativos, com uma carga considerável de diálogos expositivos e monólogos. Só que em nenhum momento isso se torna um incômodo, já que o estilo de direção de Patterson, aliado ao design de som e fotografia, provocam a inquietude mesmo nas cenas em que nada parece estar acontecendo.

Até porque “A vastidão da noite” é, em seu cerne, uma contação de história, que respeita e exalta uma tradição oral/radiofônica que remete diretamente à narrativa de “A Guerra dos Mundos”, que causou uma onda de histeria nos Estados Unidos, em 1938. Aqui, tudo começa quando a telefonista Fay percebe um ruído que causa interferência na transmissão de rádio e, junto com seu amigo, o radialista Everett, tenta descobrir o que está por trás daquele mistério enquanto toda a cidade está em um jogo de basquete. É aí que entram os relatos. Existem aqueles que são meras conjecturas, mas outros dois, os de Billy e da senhora Blanche, trazem elementos fantásticos permeados por dramas pessoais que prendem a nossa atenção e a respiração.

A parte técnica do filme, especialmente a fotografia, age com precisão ao captar as reações de Fay e Everett ao ouvirem a ligação de Billy e ao focar a senhora Blanche narrando sua experiência. Nesses momentos, tudo ao redor deles parece se dissolver e o foco está centrado nos dois jovens. É como se eles estivessem envolvidos pela escuridão, como se fossem um fraco ponto de luz se agarrando desesperadamente a um fiapo de racionalidade para se manter aceso. Eles estão vulneráveis, com medo, tragados pelo desconhecido, mas incapazes de parar. Precisam saber o que está acontecendo. E isso impacta diretamente no espectador, que experimenta uma sensação de cumplicidade com os protagonistas.

Para finalizar, o fato deste ser um filme com um orçamento irrisório para os padrões atuais – apenas 700 mil dólares -, é fundamental para que não haja distrações e se leve a cabo a sua principal característica e motivo da sua força: o horror está naquilo que não podemos enxergar. Com um orçamento maior, provavelmente a tentação de efeitos visuais grandiosos afetaria a experiência. Que bom que não é o caso e o diretor mantém tudo em um tom intimista. Assim, quando Patterson passeia com sua câmera pela cidade em travellings ou realiza planos-sequência seguindo conversas de Fay e Everett, não se trata de mero exercício linguístico. O objetivo é mapear aquele local, mostrar como ele pode ir de terreno conhecido e amigável, como ali no ginásio de basquete e arredores, onde a luz e o calor humano estão presentes, a um ambiente escuro, frio e vazio, que revelam como a vastidão da noite é potencialmente perigosa – ao menos em nossa imaginação.

ONDE ASSISTIR

  • “A vastidão da noite” está disponível para streaming no Amazon Prime Video.

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