O terremoto em Lisboa, por si só, já foi devastador, em 1755. O tremor, que jogou tudo abaixo, ainda foi seguido de um tsunami e um incêndio, que fez a cidade arder durante seis dias. Ao final daquelas 144 horas, cerca de 50 mil pessoas estavam mortas, de acordo com alguns historiadores. Lisboa, em 1755, tinha 200 mil habitantes, o que quer dizer que uma em cada quatro perdeu a vida na tragédia.
A cidade teve que, literalmente, ser reconstruída do zero, para chegar ao que temos nos dias de hoje. Muitas empresas foram soterradas pelos escombros e ficaram pelo meio do caminho. Poucas sobreviveram e seguiram adiante. E uma delas é, inclusive, das mais emblemáticas de Lisboa, da Europa e mesmo do mundo: a Livraria Bertand, hoje no bairro do Chiado.
Pra resumir essa ópera: Pedro Faure abriu as portas em 1732, na Rua Direita do Loreto. Em 1747, associou-se a Pierre e Jean Joseph Bertrand. Com a morte de Pedro, em 1753, a livraria ficou com o nome de “irmãos Bertrand”.
Veio o terremoto dois anos depois, que reduziu quase tudo a pó e a loja reabriu, ao lado da Capela de Nossa Senhora das Necessidades. Mudou-se novamente 18 anos depois, para o Chiado, onde ajudou a escrever a história de boa parte da literatura portuguesa, a partir de então.
Com o decorrer das décadas, por lá andaram vários nomes conhecidos do mundo literário, como Eça de Queiroz (“O Primo Basílio” e “Os Maias”), Antero de Quental (“Odes Modernas” e “Beatrice et Fiat Lux”), além de José Saramago, Alexandre Herculano, Almada Negreiros e Fernando Pessoa. As salas da livraria testemunharam o surgimentos de vários movimentos culturais, como o modernismo português, e o espaço tornou-se ponto de encontro de intelectuais e escritores famosos e nem tanto.
Reza a lenda que Pessoa, durante toda a vida um poeta obscuro, “da mansarda”, e que só foi reconhecido muitos anos após sua morte, certo dia parou diante da prateleira principal da Bertrand, no Chiado, e perguntou ao vazio: “Quem sabe um dia um livro meu não vai estar em destaque exatamente aqui?”. Hoje é mais difícil o nome de Pessoa não ser mencionado dezenas de vezes diariamente…
Para não me alongar, aí em cima falo da importância da Bertrand pro planeta. E isso quem diz é o Guiness – Livro de Recordes Mundiais que, em 2011, a reconheceu como a livraria mais antiga do mundo, ainda em funcionamento.
Se aquelas paredes pudessem falar, imagino os bastidores de tudo o que já aconteceu ali dentro, entre cafés, prosas e páginas amareladas. Pessoa, Quental. Herculano, Negreiros e Eça surtariam antes mesmo de escreverem a primeira palavra.
*Sérgio Augusto do Nascimento é um jornalista paraense que vive em Portugal. Já foi repórter e editor e hoje é correspondente do DIÁRIO na Europa.