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“A felicidade não se compra” e a jornada heroica dos homens comuns

George Bailey sempre quis desbravar o mundo. Se via como um daqueles espíritos indomáveis, que ansiava por grandes conquistas, com sonhos de fama e sucesso, certo de que sua existência seria um verdadeiro acontecimento. Nada e ninguém o seguraria. Mas ele não contava com a própria vida, alheia aos nossos desejos e vontades. George nunca saiu da pequena e pacata Bedford Falls. Responsabilidades, família, problemas aqui e ali… O tempo foi passando. George, então, fracassou? Longe disso. George foi um herói. Um dos maiores heróis da história do cinema em “A felicidade não se compra”, um filme que forjou um subgênero que se transformou praticamente em uma indústria no streaming nessa época do ano: os filmes de Natal.

Nos últimos anos, os serviços de streaming têm investido cada vez mais na produção de filmes especialmente para o período natalino. São, em sua maioria, bem genéricos, com uma fórmula padrão de “comfort movie” e uma pegada de comédia romântica, trazendo, óbvio, uma mensagem edificante. Todos simples e bonitinhos, tentando emular os clássicos. E são tentativas válidas, sim. Há público para isso. Eu mesmo amo o Natal e em dezembro a maratona é sagrada. Mas, confesso, prefiro ir direto na fonte. Os filmes estão nesse panteão dos inesquecíveis e são copiados à exaustão não à toa. Por isso, nessa coluna de estreia do “Videolocadora”, com dicas para você assistir nos streamings, resolvi escrever sobre essa maravilha dirigida por Frank Capra.

“A felicidade não se compra” é um filme que cresceu com o tempo. Lançado em 1946, não foi um sucesso de bilheteria, mas foi redescoberto na televisão e sua exibição no período de festas de fim de ano virou uma tradição. E é fácil de entender o porquê: ele não envelhece. Tem valores universais, uma história que poderia ser a nossa história. É a jornada de um homem comum contada em tons de parábola. George é um homem bom, que sempre fez o melhor para ajudar a sua comunidade, mas agora ele se vê em uma encruzilhada, uma espiral de desespero, e está decidido a cometer suicídio. A ajuda vem do céu e cabe, então, a um anjo lhe mostrar como seria a vida na Terra se ele não tivesse nascido.

O desespero toma conta de George Bailey, que começa a pensar que vale muito mais morto do que vivo…

George assumiu os negócios do pai, uma empresa que dá empréstimos à população local para que construam suas casas, tenham um lugar decente para morar e não dependam da extorsão praticada pelo banqueiro e “dono” da cidade, o senhor Potter. Lucro zero para George, sempre no limite, mas disposto a tudo para ajudar. Tinha fé nos amigos, na família. Esse foi o primeiro trabalho pós-Segunda Guerra de Frank Capra e a ideia era justamente exaltar esse sentimento de comunidade. A esperança é o fio condutor da narrativa, mas o filme consegue sempre esticar a corda e levá-la aos extremos sem rompê-la, brincando com as nossas emoções.

Sim, você vai chorar. Seja de tristeza, compartilhando com George momentos dolorosos – a cena em que ele grita com os filhos é de partir o coração, assim como no momento em que, à beira da falência, precisa se dobrar ao mesquinho e inescrupuloso vilão; ou sentir as lágrimas molharem o seu sorriso quando George e sua esposa, recém-casados, têm uma lua de mel improvisada e carregada de romantismo. Essa é a talvez a grande diferença de “A felicidade não se compra” para os demais filmes natalinos. Ele encara o abismo e pisa no mundo real. E lembre-se de que estamos falando de um filme que tem um anjo como personagem crucial.

Essa sensação de veracidade é transmitida, em grande parte, pela força do elenco. Não é à toa que James Stewart sempre disse que este é o seu filme favorito. Ele transita entre uma atuação que mescla jovialidade/otimismo e a mais pura melancolia. E está muito bem acompanhado. Donna Reed como Mary é o seu par perfeito. Em um filme com tantos meandros, o lado romântico poderia ficar esquecido, mas não. A cena de dança, seguida pela dos arbustos é perfeita. “Você quer a lua? Eu te darei a lua! Eu vou laçá-la e dar para você”. Um clichê, quando bem aplicado, funciona maravilhosamente, ora se não. Já Lionel Barrymore está maquiavélico, exala ódio por todos os poros, e o seu Potter é considerado um dos maiores vilões da história do cinema. E Henry Travers, o anjo de segunda classe Clarence, que precisa ajudar George para finalmente conseguir suas asas, é simplesmente adorável.

“Toda vez que um sino toca, um anjo ganhou suas asas”. Ah, Clarence, você fez bem…

“A felicidade não se compra” pode até ser acusado, assim como o próprio cinema de Frank Capra, de uma certa idealização da humanidade, de uma visão de mundo otimista demais – mesmo que, nesse caso, ele admita que sentimentos ruins, como a solidão e a tristeza, tomem conta das nossas vidas em certos momentos, fica claro que o importante é nunca perder de vista que tudo isso é passageiro. Talvez por isso mesmo esse filme tenha sido considerado “natalino”, o que, de acordo com Capra, nunca foi sua intenção original. Mas, sinceramente, o que há de errado nisso? “Lembre-se, George: nenhum homem é um fracasso quando tem amigos”. Às vezes isso é tudo que precisamos ouvir.

ONDE ASSISTIR:

  • Amazon Prime Video
  • Telecine
  • Looke
  • Oldflix
  • Belas Artes À La Carte
  • NetMovies

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