Cerca de seis a cada dez cidades do país estão há mais de cinco anos sem realizar concurso público para contratar professores para as escolas municipais.
A baixa frequência de concursos públicos deixa as unidades escolares, sobretudo em regiões vulneráveis, sem profissionais com formação adequada para atuar em sala de aula e um contingente de docentes sem encontrar emprego em cargos efetivos na área.
Os dados são de um diagnóstico feito pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), em parceria com o Movimento Profissão Docente. Os resultados mostram que apenas 37% dos municípios tinham feito concurso público a menos de cinco anos.
Em 31% deles os concursos tinham sido realizados entre 5 e 9 anos. Em 22%, entre 10 e 15 anos e em 10% há mais de 15 anos. O estudo encontrou ainda municípios que estão há mais de 20 anos sem fazer concurso para docentes, como é o caso de cidades no interior da Bahia, Minas Gerais e Paraná.
O diagnóstico mostra que a situação é semelhante nas redes estaduais de ensino, que têm um tempo médio de cinco anos desde o último concurso público.
A baixa frequência de concursos públicos faz com que o país já tenha hoje mais professores temporários trabalhando nas escolas públicas do que profissionais efetivos. Ou seja, a maioria dos docentes atuam na rede pública sem garantia de estabilidade e sem possibilidade de progressão na carreira.
Os responsáveis pelo estudo avaliam que o expressivo número de contratos temporários faz com que os professores atuem em condições mais precárias, o que, consequentemente, reflete nos resultados educacionais dos estudantes.
Também destacam que as más condições de trabalho fazem as redes públicas de ensino perderem bons professores, que acabam migrando para escolas privadas e até mesmo outras áreas de trabalho.
“A baixa frequência de concursos públicos é ruim para todo mundo. É ruim para as escolas, que ficam muito tempo sem receber professores efetivos. Ruim para as redes de ensino, que perdem bons profissionais. É ruim também para os professores, por terem piores opções e condições de trabalho”, avalia Haroldo Rocha, coordenador do movimento.
Ele lembra, por exemplo, do concurso público realizado na rede estadual de São Paulo no ano passado, depois de nove anos sem a contratação de efetivos. O edital para 15 mil vagas recebeu quase 290 mil inscrições.
“Muito professor bom e com experiência em sala de aula pode não ter sido aprovado por conta da alta competitividade. Sem falar dos que podem ter desistido da carreira ou migrado para outra rede de ensino por não ter aguentado as condições impostas aos temporários”, diz Rocha.
Maior rede de ensino do país, com mais de 3 milhões de alunos, o estado de São Paulo tem mais de 162 mil professores, sendo 50,7% com contratos temporários. Neste ano, por exemplo, as aulas começaram com milhares de docentes temporários sem trabalho depois de mudanças no processo de atribuição de aulas.
Em estados e municípios de grande porte, Rocha diz que a ausência de concursos por muitos anos pode ser uma estratégia para evitar o aumento dos gastos permanentes com servidores.
Já para os municípios menores, o diagnóstico destaca que a dificuldade de fazer concursos públicos com frequência está atrelada ao alto custo do processo e o baixo número de vagas a ser preenchido.
“O custo de um processo seletivo é muito alto para municípios pequenos, é um valor que não podemos pagar para selecionar professores para um número muito pequeno de vagas”, comentou Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Ensino) e secretário de Educação de Sud Menucci, no interior de São Paulo.
A cidade de Garcia, por exemplo, conta com apenas seis escolas municipais e cerca de 60 professores. “Não deixamos de fazer concurso por não entender a importância dele, mas por dificuldade.”
Como forma de incentivar estados e municípios a fazerem concursos de forma mais frequente, diversas entidades educacionais têm proposto ao Ministério da Educação a criação de uma prova nacional para o ingresso de docentes na rede pública.
A elaboração do exame está sendo avaliado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como parte de uma série de estratégias para melhorar a formação e seleção de professores que atuam na educação básica. Em 2012, quando Fernando Haddad era ministro da Educação, uma proposta semelhante foi analisada, mas não avançou.
“A ideia não é que o Ministério da Educação faça o concurso para os professores, mas elabore uma prova de ingresso na carreira que pode ser usada pelas redes de ensino como parte da seleção. Assim, estados e municípios continuam com autonomia para fazer seus concursos e criar outras etapas de seleção”, diz Haroldo.
“Ter um exame nacional facilitaria o processo de seleção para estados e municípios e os incentivaria a fazer a contratação de docentes com mais frequência, o que seria muito positivo para a educação pública em vários aspectos”, completa.
*ISABELA PALHARES – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)