Talvez a característica mais importante dos filmes do anti-herói Deadpool (e do próprio personagem) é usar sua personalidade debochada para tirar sarro de todos, incluindo a si próprio, os outros heróis e até o estúdio responsável pelo produto e sua sequência, a 20th Century Fox. Por isso, quando a Disney comprou a empresa, havia a expectativa sobre os rumos que o personagem tomaria no terceiro filme, já como integrante do tal MCU, ainda mais com a Marvel enfrentando uma crise criativa (e de bilheteria) braba nos cinemas.
Bem, há coisas muito boas em “Deadpool e Wolverine” (2024), mas há um terreno de decepções para se pisar também. Começamos pelo principal: Ryan Reynolds continua bem à vontade no papel do protagonista, desfiando um rosário de piadas, palavrões e todo tipo de sacrilégio contra os fãs de cultura pop. Funciona na maioria das vezes, mesmo com uma ou outra gracinha passando do ponto, até para desviar o foco dos problemas do filme (falarei mais à frente).
Sabendo lidar com a própria voz e com o humor físico, ele e sua turma (incluindo o diretor Shawn Levy) não se furtam de tirar sarro de todo mundo, Marvel, Disney e, principalmente, da falecida Fox. Os melhores momentos estão nas tiradas envolvendo os filmes fracassados do extinto estúdio e a chegada do assassino tagarela ao mundo bilionário de Kevin Feige e companhia.
Reynolds e Hugh Jackman transbordam a química da broderagem de fora das telas e parecem ter se divertido bastante ao encarnar uma dupla com personalidades diferentes, como um bom filme de “Buddy Cop”. Wolverine é o avesso de Deadpool: ranzinza, beberrão e agressivo. Jackman nasceu para o papel do x-man. As participações especiais também são divertidíssimas e os atores parecem que vão cair na gargalhada a qualquer momento em cena. Acho, porém, que Emma Corrin passou um pouco do ponto como a vilã Cassandra, mas isso é mais culpa do roteiro do que da atriz.
Falando em roteiro, é preciso dizer que ele é o elo mais frágil e pouco inspirado dessa equação. As motivações dos vilões não fazem sentido e toda a estrutura narrativa parece deslocada, servindo apenas para o bombardeio de gags visuais e diálogos nonsense, além do desfile de atores famosos em cena. Quando a história precisa andar para a frente, o filme recorre a situações sem sentido e não dá o peso narrativo que a história precisaria.
Outro ponto negativo está no próprio diretor. Muita gente comparou este aqui com “Doutor Estranho – No Multiverso da Loucura”, mas a diferença é que Sam Raimi é um cineasta autoral e muito mais seguro de si que Shawn Levy. A direção não tem muita inspiração, a fotografia é, no mínimo, estranha, sem personalidade, não conseguindo dar uma dimensão interessante ao mundo construído para esta sequência, servindo apenas para emular Mad Max. Todo o mundo do lixo da AVT pareceu mais bonito na série do Loki, que foi feita para a televisão, por incrível que pareça.
De qualquer forma, não deixa de ser um filme divertido, o que é mais do que podemos exigir de um título da Marvel nos últimos anos… E com as bilheterias bamburrando, provavelmente, teremos mais dessa dupla dinâmica nos próximos anos (até os 90 anos será?).