Texto: Wal Sarges
Após vencer a etapa paraense do Miss Beleza T, a paraense Ti Yara Mercês foi eleita vice-campeã no Miss International Queen Brazil. Com um traje na cor dourado e um carisma sem igual, ela conquistou os jurados deste que é o maior concurso de beleza para mulheres travestis e transexuais do Brasil. Natural de Breves, na Ilha do Marajó, ela ainda venceu na categoria Melhor Traje Típico.
“Eu estou bem feliz, as pessoas puderam conhecer o meu trabalho e notar tudo que eu fiz no decorrer do concurso. Saí de Breves sem as pessoas saberem quem eu era e ao chegar na final do concurso, no top 2, em São Paulo, tendo grande parte das pessoas torcendo por mim, é uma sensação que eu não consigo nem descrever”, diz Yara Mercês.
“Apesar de todas as dificuldades, eu não me senti inferior a nenhuma das meninas e sei que a gente fez um trabalho de destaque. O resultado é prova disso. Apesar de ser uma competição entre mulheres trans, a quem, na maioria das vezes, o afeto é negado, ali, a gente pôde encontrar esse afeto umas nas outras. Percebi que a vitória de uma também é a vitória das outras”, reflete.
Na etapa paraense, a candidata passou por diversas provas, a de traje de banho e a de gala e ainda a fase que envolveu uma sabatina. “Quando fui para o concurso nacional, ele passa a ser franqueado do concurso internacional e ganha os moldes dele. Então, a gente teve show de talentos, traje típico – que foram duas etapas que não tiveram no estadual. E eu fico muito feliz de poder ter experienciado isso. Inclusive, fui um dos destaques do show de talentos, as pessoas gostaram muito. Além disso, teve a fase de perguntas dos jurados e da coordenação, etapa que definiu as vencedoras”, detalha.
RENASCER DAS ÁGUAS
A Amazônia norteou as estratégias de apresentação da paraense. “Tentei criar uma narrativa desde o começo. Para chegar a qualquer lugar, eu preciso passar pelos rios e eu quis levar essa representatividade em todos os momentos. No show de talentos, eu levei a Yara, que é a rainha das águas. Na prova de traje típico, apresentei a indígena Naiá, que é a nossa vitória-régia, e na grande final usei um traje assinado por Romário Gonçalves, um vestido dourado que representa a cor de Oxum, o orixá das águas doces, que mesmo substituindo o que estava planejado, parecia que tinha sido feito para mim e se encaixou super bem no meu corpo”, detalha Yara.
Visibilidade em favor de causas coletivas no Marajó
Ela conta que decidiu entrar num concurso de beleza pela primeira vez na vida. “Foi uma decisão, inclusive, para que eu pudesse recuperar a minha autoimagem e a minha autoestima. Eu vinha de um caso de dependência emocional que eu estava trabalhando junto a psicóloga e apareceu essa oportunidade, onde eu vi uma forma de me reconectar e descobrir novamente a minha beleza e a minha potência”, relata.
“Quando eu venci, já pude ver a oportunidade de fazer ecoar outras vozes que ainda são silenciadas. No Marajó, a gente sabe, por uma questão geográfica, o quanto a gente tem dificuldade de acessar serviços e de acessar políticas públicas. E eu pude trazer como referência para as meninas daqui a possibilidade de entender quais são os nossos direitos já garantidos e o que a gente pode alcançar a partir daí”, completa Yara.
Formada em Dança pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e técnica em dança clássica, Yara tem uma profunda relação com a dança e acredita que esse envolvimento a ajudou a conquistar o título de vice-campeã do concurso. “Sou acostumada a passar horas ensaiando, praticando e fazendo diversos exercícios. Isso também reverberou no meu trabalho enquanto miss. Na passarela é preciso um jeito diferente de se colocar, além de postura e uma forma de caminhar e a minha prática com dança me ajudou a conseguir treinar o meu corpo para se habituar com a passarela”, considera.
Ela destaca ainda a importância da visibilidade trazida pelo concurso. “Eu precisei sair do Pará para encontrar referências do que seria uma mulher trans e do que seria uma travesti e hoje eu sou essa referência aqui. Posso usar a visibilidade que o concurso me deu para movimentar e conseguir cobrar que políticas públicas sejam efetivadas; conseguir que serviços sejam ofertados. A gente sabe que a gente tem um ambulatório no Pará, mas ele não consegue dar conta das necessidades de mulheres trans e de travestis aqui do Marajó. Então a gente precisa tensionar para que esses serviços também consigam chegar até a população daqui”, afirma.