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Xande de Pilares passa na prova de Caetano Veloso

Uma qualidade central de "Xande canta Caetano" é a verdade com que o carioca se move pelas melodias e diz as palavras do compositor
Uma qualidade central de "Xande canta Caetano" é a verdade com que o carioca se move pelas melodias e diz as palavras do compositor

RIO (AG) – Um passo decisivo na transição de sua vitoriosa carreira no samba para a MPB, o álbum “Xande canta Caetano”, de 2023, foi festejado como um dos discos do ano, pelo misto de bom gosto, autoridade e criatividade com que o cantor, instrumentista e compositor Xande de Pilares reinterpretou a obra múltipla de Caetano Veloso. De lá para cá, o carioca do Morro do Turano (que mais tarde se mudou para Pilares, bairro que acabaria sendo incorporado ao seu nome artístico), foi cuidando de sua vida, em shows solo pelo Brasil com o seu repertório de samba – parte dele, de sucessos com seu antigo grupo, o Revelação – e espetáculos avulsos, como o que dividiu brilhantemente, em maio, com Maria Bethânia, irmã de Caetano, no festival Doce Maravilha.

Guardado como uma espécie de relíquia, o show de “Xande canta Caetano” estreou enfim em junho, em Salvador, e, na sexta e no sábado, deu as caras pela primeira vez em terras cariocas, na acolhedora vastidão do Qualistage. Era uma ocasião de certa forma tensa até mesmo para o experiente artista de 54 anos – em sua cidade, ele fazia uma incursão num outro universo: familiar, sim, mas com novas sutilezas e expectativas, e em que teria que submeter o seu Caetano a um público que era o seu, que era o do baiano e, por fim, era de quem mais viesse. E o que se viu foi um desses milagres da música: se perdeu um tanto da explosão habitual de Xande, o novo show ganhou em invenção. E convenceu.

Uma qualidade central de “Xande canta Caetano” é a verdade com que o carioca se move pelas melodias e diz as palavras do compositor, em canções como “Muito romântico” (“a primeira música que eu cantei dele, e eu achava que era do Roberto Carlos!”), “Luz do Sol”, “Qualquer coisa”, “Reconvexo”, “Queixa” e “Trilhos urbanos”. Mesmo que em alguns momentos parecesse que Xande não sabia como conduzir o show, as músicas fizeram por ele, em interpretações com uma banda montada (a partir de alguns músicos de sua própria banda) sob a direção musical de Pretinho da Serrinha. Afrossamba, ijexá, choro e bolero forneceram colorido aos arranjos muito bem sacados do espetáculo, que chegou ao auge num “Força estranha” guiado apenas por violão e baixo – a voz tamanha de Xande foi aplaudida de pé.

“Desde que o samba é samba” e “Gente”, logo em seguida, deram ao cantor um pouco mais de conforto, depois da odisseia pelo Caetano que lhe era mais desafiador. A coisa começou a esquentar quando ele mandou músicas do Revelação (“Trilha do amor” e “Coração radiante”, no primeiro momento “Xande canta Xande” do show). E chegou ao ponto de ebulição na hora quem que – de brincadeira ou não – avisou que ia mexer no roteiro traçado pela diretora Regina Casé para cantar “Conselho”, porque um dos compositores desse clássico das rodas de samba, Zé Roberto, estava na plateia.

O que se viu a partir daí foi pagode pra valer, com sambas-enredo do Salgueiro e um bis com o Caetano mais festeiro de “A luz de Tieta” e a apoteose Xande de “Tá escrito” (“erga essa cabeça, mete o pé e vai na fé / manda essa tristeza embora”). Gol de placa de um artista que vê o mundo pelos olhos do samba e devolve a bola em passes mágicos.

Crítica de show ‘Xande canta caetano’, de Xande de Pilares Ótimo

Texto de: Silvio Essinger