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Websérie disponível no Youtube valoriza vivências do carimbó

As gravações percorreram quatro ambientes carimbozeiros: Icoaraci, Soure, Outeiro e Castanhal. FOTO: marcos corrêa/divulgação
As gravações percorreram quatro ambientes carimbozeiros: Icoaraci, Soure, Outeiro e Castanhal. FOTO: marcos corrêa/divulgação

Wal Sarges/Diário do Pará

As imagens da websérie “Vivências do Carimbó” capturam a poesia inscrita em cada verso de carimbós de mestres, mestras, professores e fazedores que estão em diversas localidades do Pará. Desse registro, resultaram três episódios que já estão disponíveis no canal do YouTube de Priscila Cobra, que assina a direção da websérie em conjunto com Marcos Corrêa.

O episódio 1, intitulado “De frente para o rio”, foi gravado em Icoaraci e teve como entrevistados a mestra Nazaré do Ó, mestre Nego Ray, mestre Raimundo Jaci, mestre Thomaz Cruz, mestre Ney Lima pela Paz e mestre Lourival Igarapé. O segundo episódio, “Ilha das encantarias”, foi gravado em Soure, no Marajó, e teve como entrevistados os mestres Diquinho, César do Regatão, Roxinho e os professores Solange Ramirez e Ailton Favacho. Gravado em Outeiro e Castanhal, o terceiro episódio, “Resistência urbana”, contou com Rosivani Chaves, o mestre Luís Pontes, Hugo Caetano e Clever dos Santos.

SALA DE AULA

O professor Ailton Favacho, que também é carimbozeiro do grupo Tambores do Pacoval, explica como o carimbó pode ser utilizado dentro de sala de aula para fomentar o ensino e a aprendizagem dos alunos. “Ao abordar o texto narrativo, por exemplo, faço uso de um carimbó do mestre Diquinho sobre a mãe de fogo, que traz uma narrativa completa em sua letra. Então, começo com música uma aula em que é possível fazer os batuques nas cadeiras. O aluno pode dançar, escutar o carimbó, batucar, quebrando a formalidade de estar numa sala de aula”, explica ele, que é ainda poeta, compositor e tocador, que continua o conteúdo com os alunos trabalhando as conexões que podem ser criadas com outras histórias amazônicas, falando sobre o autor e sua biografia. “É um instrumento muito rico, algo que tende a funcionar muito bem”, destaca.

Priscila Cobra, que é mestra em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará, além de multiartista, cantora e compositora do grupo Carimbó Cobra Venenosa, é idealizadora do projeto. “Este trabalho é sobre amor, afeto e vivências do carimbó, de quem vive o carimbó e o ama”, afirma ela. “O carimbó não é apenas música e nem um subproduto cultural e artístico, ele é um estilo de vida, filosofia. É um valor ancestral nosso, paraense, amazônico, carrega a noção de defesa da floresta e dos nossos bens culturais e artísticos. Para quem o faz, é cura, é coletividade e é comunidade, e nós queríamos demonstrar isso para as pessoas que assistissem à série”, ressalta a idealizadora.

A série foi realizada por meio do Programa de Extensão Coroatá, do Campus do Marajó da Universidade Federal do Pará, e contou com financiamento via emenda parlamentar do então deputado federal Edmilson Rodrigues. Foram quase três anos, desde o tempo de escrever o projeto, liberar o recurso e conseguir agendar com as comunidades, os mestres, com os fazedores de cultura e os e com os professores para as gravações.

“O nosso maior desafio foi administrar o pouco recurso para a dimensão do que a gente pretendia fazer, com três episódios, mais de dez entrevistados em vários municípios. Fomos bastante determinados em entregar um conteúdo de valor afetivo, documental e de relevância sociocultural e artística para o nosso território paraense e para a nossa cultura popular brasileira, já que o carimbó é patrimônio cultural imaterial brasileiro”, afirma Priscila Cobra.

Equipe já pensa em novas temporadas

As gravações iniciaram em Soure, no ano passado, onde a equipe vivenciou o arrastão do mestre Regatão, que já é falecido, mas que teve uma história muito rica enquanto puxador de boi-bumbá, de escola de samba e de carimbó. Filho de Regatão, o mestre César foi um dos entrevistados do documentário, além dos mestres Roxinho – que atua como mestre da dança e dos saberes tradicionais – e Diquinho, poeta, vaqueiro e pescador dos rios e campos marajoaras. “Todos os três são mestres com mais de 60 anos e que têm um grande valor para aquela região, além dos professores e fazedores de carimbó”, comenta Priscila Cobra.

Outras gravações foram feitas em Belém, Ananindeua, Icoaraci e Outeiro, sendo registradas no início deste ano. “Inicialmente o projeto deveria abranger ainda Santarém Novo, Marapanim e Alter do Chão, mas o período de pandemia atrasou muito a liberação do recurso, então tivemos de fazer vários ajustes no projeto. A ideia era, inclusive, ter mais entrevistados e mais territórios, que acarretaria uma maior densidade documental, mas estamos extremamente felizes pelo resultado que conseguimos alcançar. Nos sentimos satisfeitos com a poética, a narrativa e o feedback que recebemos dos mestres foi incrível. Todos se sentiram felizes com o conteúdo que ouviram”, conta Priscila Cobra.

O codiretor Marcos Corrêa acredita que este é um projeto ousado, que deixa um legado sobre o carimbó. “Eu acho que um dos principais legados que a série deixa é a importância da gente olhar para a nossa cultura e ver o quanto ela se transforma e o quanto ainda ela precisa ser vista. A gente consegue, com a série, ter a participação da nova cena que faz o carimbó no Pará, além de mestres que atuam há mais de 30 anos dentro desse universo. Conseguir mobilizar pessoas de distintas gerações, reuni-las e mostrar as diferentes perspectivas que fazem parte do carimbó é valorizar essa forma de cultura, e ver o quanto ela pode ser rica e diversa”, destaca.

Pessoalmente, para os realizadores, a websérie deixa também muitas marcas. “O legado que fica para gente é o de valorização desse ritmo e das pessoas que fazem parte dessa cena cultural e também das perspectivas de futuro, de pensarmos nessa série como sendo só o começo. O Pará tem carimbó em mais de cem municípios, a gente começa a pensar que pode fazer uma segunda temporada e contar outras realidades, fazer uma espécie de mapeamento dessa realidade do carimbó no Pará”, avalia Marcos Corrêa.

Outro envolvido no projeto, Matheus Clima, que fez a edição, montagem e colorização dos episódios, também saiu impactado. “Este trabalho me ajudou a valorizar a simplicidade das coisas e pessoas, e a entender o lugar da arte como afeto, coletividade e luta”, diz.