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Vestígios de histórias em extinção

Vestígios de histórias em extinção Vestígios de histórias em extinção Vestígios de histórias em extinção Vestígios de histórias em extinção
Registro do ateliê montado por Flavia Mielnik durante a Residência FotoAtiva. No detalhe, a artista em Belém, após o adiamento de dois anos pela pandemia FOTOs: divulgação
Registro do ateliê montado por Flavia Mielnik durante a Residência FotoAtiva. No detalhe, a artista em Belém, após o adiamento de dois anos pela pandemia FOTOs: divulgação

Aline Rodrigues

Investigar, através da cerâmica marajoara, as tensões existentes entre o que é considerado patrimônio arqueológico – e consequentemente está exposto nos lugares oficiais de preservação – e as histórias vivas das comunidades locais, foi a intenção da artista visual paulista Flavia Mielnik. Ela esteve em residência artística em Belém neste mês de maio e, dentro do programa FotoAtiva em Residência, conversará com o público na sede da associação, hoje, 28, a partir de 18h. Ela vai falar sobre o processo de pesquisa que desenvolveu nesse período.

“Minha conexão com a Associação Fotoativa começou em 2019, quando, junto às artistas Alessandra Duarte, Bel Falleiros, Laura Gorski e Renata Cruz, apresentamos um projeto coletivo para o Programa de Residência, planejado para ocorrer em junho de 2020. Infelizmente, devido ao contexto da pandemia, tivemos que suspender nossa imersão. Por muito mais tempo do que o imaginado, nossos corpos permaneceram em estado de espera, de tensão e medo: paralisados. E a ideia de se deslocar, de levar nosso corpo-casa para a experiência do território, de ocupar os espaços públicos com ações de encontro, passaram a ocupar lugares de sonhos, incertezas e saudades”, desabafa a artista.

Em seu ateliê, Flávia Mielnik expõe o quebra-cabeças montado por ela, conectando histórias a gestos e fragmentos arquitetônicos. FOTO: divulgação

Desde então, passados quatro anos, as paisagens, pessoas e experiências que imaginou encontrar em Belém nunca saíram do pensamento. “Elas conviviam comigo como um farol, me cutucando, me fazendo não esquecer deste ponto ao Norte e do que um dia meu corpo havia se programado viver”, acrescentou ela.

Enfim na capital paraense, Flavia se voltou para os vestígios, restos e rastros de histórias e saberes populares em estado de ameaça e de extinção. “Vou coletando elementos como peças de um quebra-cabeça, conectando histórias a gestos e a fragmentos arquitetônicos. São cenas camufladas, que transitam entre os estados de ruína e de construção e que muitas vezes não encontram espaço nas narrativas convencionais”, disse ela.

O projeto se iniciou com o interesse em torno da cerâmica marajoara. “Uma vez chegando em Belém, com a experiência do corpo em deslocamento no território, o projeto ganhou novas camadas, ampliando o processo de trabalho para campos complementares de ação e reflexão. O próprio casarão da Associação Fotoativa tornou-se protagonista da pesquisa: uma arquitetura que resiste e abraça o tempo”, contou ela, que durante o processo, conheceu mestres e mestras de ateliês, laboratórios e olarias.

Entre tantos, destaca-se o trabalho desenvolvido por Ronaldo Guedes e Cilene Oliveira Andrade, no Ateliê de Cerâmica Arte Mangue Marajó, em Soure; uma visita ao Museu Marajó em Cachoeira do Arari, fundado pelo padre e museólogo Giovanni Gallo; uma caminhada pelo bairro de Paracuri, o “museu a céu aberto de Icoaraci”, diz ela, “com a história da cerâmica correndo viva pelos espaços de trabalho, memória e resistência da Cerâmica Famíla Sant´ana, Olaria do Espanhol, do Marivaldo, entre outros”.

À medida que o trabalho de coleta e pesquisa da artista ia se desenvolvendo a partir destes encontros, visitas, derivas e viagens, o ateliê destinado à residência, instalado dentro da Fotoativa, foi recebendo fragmentos destas vivências unindo palavras a gestos em barro, cacos de azulejos a cascas de parede, em diálogo também com a própria arquitetura do casarão.

“Ainda seria cedo para articular uma conclusão, mas com o trabalho em processo sustento algumas perguntas como: Onde e como se guarda os saberes do território para que ele siga vivo, latente, arejado? O que está escapando? Quem seriam os narradores dessa história? O que converte um objeto em um arquivo de afetos e memória? Como conviver com a ruína? Parece ser preciso seguir catando, mexendo, trocando e transformando”, adiantou ela.

Com a experiência do trabalho desenvolvido durante a residência em Belém, a artista adiantou que pretende criar uma publicação, um projeto de instalação fotográfica, assim como novas experimentações poéticas em função dos contextos e histórias, que poderão se unir a outras pesquisas complementares, realizadas na Chapada do Araripe, no sertão do Ceará. Na conversa de hoje, na Fotoativa, a ideia é criar um ambiente de trocas e conversas ao redor dos elementos instalados na sala, dos caminhos percorridos e destas perspectivas de futuro da pesquisa, “assim como das narrativas e experiências de cada um ali presente”, pontua Flavia.