
Se estivesse viva, Gal Costa estaria soprando 80 velas nesta sexta-feira (26). A cantora, que morreu em 9 de novembro de 2022, aos 77 anos, deixou uma das obras mais sólidas e transformadoras da Música Popular Brasileira (MPB). Mais do que uma voz potente, foi presença que desafiou padrões, rompeu barreiras e ajudou a desenhar os caminhos da canção no Brasil, atravessando gerações com uma coragem artística rara.
Nascida Maria da Graça Costa Penna Burgos, em 1945, em Salvador, capital da Bahia, Gal cresceu ouvindo música clássica que sua mãe, Mariah, colocava ainda na gestação; e sempre foi incentivada pela mãe a seguir carreira na música. Já o pai, morto em sua adolescência, foi uma figura ausente.
Na juventude, mergulhou na Bossa Nova, trabalhando em uma loja de discos, até se encantar com “Chega de Saudade”, de João Gilberto (compositor e cantor baiano João Gilberto, criador da Bossa Nova), que mudaria o rumo de sua vida.
Foi também nesse período que conheceu Caetano Veloso, no início dos anos 1960. Aproximou-se ainda adolescente dos também baianos Maria Bethânia e Gilberto Gil, com quem integraria o grupo conhecido como Doces Bárbaros, responsável mais tarde por um disco definidor da contracultura dos anos 1970. Formando uma das parcerias mais frutíferas da MPB, ao lado deles, mergulhou no movimento tropicalista, que desafiava a ditadura militar misturando guitarras, poesia e rebeldia.
Em 1968, Gal brilhou no disco-manifesto quando participou do álbum “Tropicália ou Panis et Circencis”, pedra fundamental do movimento tropicalista. E, pouco depois, em 1971, foi responsável por um dos shows de maior repercussão da história da MPB, “Gal a Todo Vapor”, dirigido por Waly Salomão, que viraria também um álbum cultuado.
Canções como “Divino Maravilhoso” e “Não Identificado” consolidaram sua imagem de artista ousada, livre e provocadora. Em 1973, enfrentou a censura com o disco Índia, cuja capa foi proibida, pois, conforme o regime, supostamente iria “ferir a moral e os bons costumes”. O auge comercial viria em 1979 com Gal Tropical, que ultrapassou 1 milhão de cópias vendidas.
Reinventando a Carreira
Longe de se acomodar, a cantora seguiu se reinventando. Nos anos 1990 e 2000, transitou entre releituras e novas sonoridades. Em 2011, surpreendeu ao lançar Recanto, produzido por Caetano e Moreno Veloso, que explorava batidas eletrônicas e experimentação vocal. Nos últimos anos, aproximou-se ainda mais de artistas da nova cena, entre eles Criolo, Marília Mendonça e Tim Bernardes.
O último palco de Gal Costa foi o do Coala Festival, em São Paulo, em 17 de setembro de 2022. Pouco tempo depois, interrompeu a agenda para uma cirurgia – da retirada de um nódulo na fossa nasal direita – e não voltou mais. Sua morte, em 9 de novembro, gerou comoção nacional. Em 2025, um álbum póstumo registrou sua derradeira apresentação: As Várias Pontas de uma Estrela (Ao Vivo no Coala), lançado no streaming e também em formato físico.
Agora, aos 80 anos que não chegou a viver, Gal segue viva nos discos, nas homenagens e na memória coletiva.
Gal em Belém
Belém também guarda lembranças marcantes da artista. Seu último show na capital paraense aconteceu em 9 de dezembro de 2021, na Assembleia Paraense, encerrando a turnê “A Pele do Futuro”. A apresentação foi emocionante e lotou a casa.
Na ocasião, Gal agradeceu ao público em uma postagem no Instagram: “Finalizando mais um ciclo! Muito obrigada a todos que compareceram ao encerramento de ‘A Pele do Futuro’ em Belém, assim como a cada show da turnê no Brasil e exterior. Fizemos juntos uma linda história”.
O espetáculo também ficou marcado por manifestações políticas: entre canções, Gal e o público entoaram gritos de “Fora Bolsonaro”, deixando claro o posicionamento da artista, eleitora de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A cantora ainda retornaria à cidade em setembro de 2022, durante a Bienal de Artes, mas, por problemas de saúde, cancelou sua participação dois dias antes da apresentação que faria na Aldeia Cabana. Ela foi substituída por Simone. Na época, o problema na fossa nasal já havia acabado de ser descoberto.
A Vida Amorosa de Gal Costa
Apesar de ter vivido relacionamentos com pessoas de ambos os sexos, Gal era muito reservada ao falar de sua sexualidade e de seus afetos íntimos. Um dos relacionamentos mais conhecidos foi com a atriz Lúcia Veríssimo, no início da década de 80.
Também houve vínculo afetivo com a cantora e compositora Marina Lima nos anos 1990. Em 2008, a carioca concedeu uma entrevista à revista Joyce Pascowitch, na qual afirmou ter perdido sua virgindade com Gal, quando as duas namoraram. À época, a declaração foi mal recebida pela baiana, que sempre se manteve reservada sobre sua vida pessoal.
A única vez em que Gal foi casada foi com o violonista Marco Pereira, entre 1991 e 1992. Gal e Marco tentaram ter um filho, mas a cantora descobriu que teve uma menopausa precoce, aos 42 anos.
Em entrevista ao jornal O Globo, Gal revelou que tinha um plano de ter filho com Milton Nascimento exatamente por isso: pela mistura de suas vozes. “Eu e Bituca (Milton Nascimento) tínhamos um projeto de ter um filho juntos. Olha só, que oferecida eu era… (risos). Mas era por causa das nossas vozes. Achávamos que um filho nosso teria uma voz especial”, contou. Porém, o plano nunca se concretizou.
Sobre os boatos de romance com Pelé: foi uma “lenda” muito comentada, alimentada por capa da extinta Revista Manchete do ano de 1979, mas sempre negada por ambos.
Sobre Bethânia: circulavam rumores de rivalidade e até de romance entre Gal e Maria Bethânia. A cantora negava qualquer rivalidade ou briga, declarando que Bethânia era “como uma irmã”.
Pós Morte de Gal Costa
Em 2022, Gal deixou um filho, Gabriel Costa, de 17 anos. Gabriel foi adotado pela cantora quando tinha quase 2 anos de idade, depois que ela o conheceu em um abrigo, no Rio de Janeiro. A maternidade, segundo a artista, mudou completamente sua vida.
Gal era casada com Wilma Petrillo. Elas se conheceram na década de 1990 e Wilma morava com a artista, mas só teve união estável reconhecida pela Justiça após a morte da cantora. Petrillo também foi modelo e chegou a estrelar um clipe ao lado do cantor Agnaldo Timóteo, além de desfilar para grifes; ela trabalhava como empresária e sócia da cantora em duas empresas e as duas moravam juntas, com Gabriel.
Pouco tempo depois da morte de Gal, Wilma concedeu entrevistas alegando ser viúva da cantora, tendo o direito à 50% do patrimônio de herança de Gal, o que foi contestado pelo filho da artista, Gabriel.