'PRESÍDIO DOS FAMOSOS'

Tremembé: presídio que abriga Suzane, Elize Matsunaga e Robinho ganha livro

Cobiçado como destino por condenados e suspeitos de crimes brutais, o Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo.

A P2 de Tremembé - Governo do Estado de São Paulo
A P2 de Tremembé - Governo do Estado de São Paulo

Cobiçado como destino por condenados e suspeitos de crimes brutais, o Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo, ficou nacionalmente conhecido como “presídio dos famosos” por, desde 2005, receber presos que correm risco de se tornar alvos dos demais pela natureza de seus crimes ou por sua notoriedade na sociedade. As particularidades e histórias dessa penitenciária, cujo perfil agora pode mudar – este mês veio a público a intenção da unidade de transferir seus detentos ilustres -, foram reunidas pelo jornalista e colunista do GLOBO Ullisses Campbell, do blog True Crime, no livro “Tremembé, o presídio dos famosos” (Matrix Editora), que será lançado na próxima segunda-feira.

– Em 2004, a Suzane von Richthofen ficava na penitenciária feminina da capital, mas as presas fizeram uma rebelião para matá-la. E ela foi levada para outros presídios até chegar em Tremembé. Assim, foi se criando essa fama – explica Campbell, que também é roteirista de uma série sobre o presídio, baseada em dois de seus livros anteriores.

Suzane von Richthofen, presa por tramar as mortes dos pais

Com cinco unidades e capacidade para mais de seis mil presos, a prisão abriga especialmente entre seus atuais e ex-detentos personagens do noticiário que ficaram famosos após a repercussão de crimes violentos – Além de Suzane, são os casos de Elize Matsunaga, Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá. Mas outros já eram conhecidos antes de serem acusados ou condenados, como o ex-jogador Robinho, o ex-senador Luiz Estevão e o médico Roger Abdelmassih.

Condenado pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, o ex-policial militar Ronnie Lessa foi para Tremembé como parte de seu acordo de delação. Na semana passada, o influenciador digital Hytalo Santos – investigado por exploração sexual de menores de idade – tentou sua transferência para o local, mas o pedido foi negado pela Justiça.

A maior parte do contingente de detidos, no entanto, não entra em nenhuma dessas categorias. Presos por crimes igualmente violentos, os anônimos de Tremembé também têm suas histórias contadas no livro de Campbell, que destaca a relação deles com os colegas famosos e ricos.

– O livro mostra como funciona a pirâmide social dentro da penitenciária. O que eu acho interessante nessa relação social é que, a rigor, é como se eles fossem colocados na mesma página. O próprio termo uniforme diz isso: uniformizar para serem todos iguais. Mas, apesar disso, alguns mantêm privilégios – diz Campbell.

Uma das histórias narradas é a do empresário Thiago Brennand, oriundo de uma rica família de Pernambuco, que cumpre pena na Penitenciária II de Tremembé, a P2. Antes, enquanto estava no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, ele manteve o hábito de comprar dezenas de cuecas de marca e descartá-las após o primeiro uso, fazendo com que fossem disputadas por colegas de cárcere. Como na P2 cada detento pode ter apenas cinco peças íntimas, passou a pagar um salário mínimo a um detento para limpá-las, descreve o jornalista. Na prisão, outros presos ricos também pagam para se livrarem de obrigações ou em troca de favores, como proteção.

Na P2, Brennand vive uma disputa de egos com Robinho, que, assim como ele, cumpre pena por estupro. Admirado pela condição de ex-craque, Robinho também não precisa realizar tarefas domésticas, como arrumar a cama ou varrer a cela, pois outros “presos se acotovelavam para servi-lo”. Na briga contra o ex-jogador do Real Madrid, Brennand comprou 30 pares de chuteiras Nike e as distribuiu entre os participantes da pelada semanal da P2. Em resposta, Robinho passou a treinar os presos. As jogadas de Brennand para conquistar a aprovação dos presos envolveram ainda a distribuição de itens como doces importados e potes de Nutella e chegaram até ao pagamento de advogados.

– O Robinho é o protagonista da penitenciária. Inclusive, quando ele foi para lá aumentou o número de visitantes. Filhos começaram a ir visitar os pais presos para ver ele. É muito cortejado por funcionários, detentos, policiais penais – diz Campbell, que enquadra a rivalidade entre o jogador e Brennand como uma disputa para ver quem é o “líder” da P2: – Nas penitenciárias, costuma ser o mais violento, que impõe mais temor. Em Tremembé, é o mais famoso.

OUTRAS ‘CELEBRIDADES’

No livro, Campbell narra o dia a dia das diferentes unidades do presídio. Há, por exemplo, descrições do concurso Miss Primavera de 2017, disputa anual entre as detentas do sistema penitenciário de São Paulo e que naquele ano aconteceu em Tremembé. Nessa edição, Suzane von Richthofen, solta em 2023, atuou como jurada, ao lado de assistentes sociais, psicólogas e outros profissionais. Anna Carolina Jatobá, condenada pelo assassinato da entenda Isabella Nardoni, e Elize Mastunaga, presa por matar o marido, o executivo Marcos Kitano, ajudavam as colegas a se arrumarem para o evento.

Em outro trecho, o jornalista descreve o funcionamento da “cela dos espíritos”, área usada pelas detentas adeptas do espiritismo para sessões mediúnicas. Lá, elas esperam obter o perdão das vítimas de seus crimes. Enquanto estava encarcerada, Richthofen foi uma das presas que conseguiu uma carta psicografada do suposto espírito da mãe, Marísia, a perdoando pelo assassinato.

Um dos casos de repercussão mais recentes a levar alguém para Tremembé foi o da morte do motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana, em 2024. Ele foi atingido pelo Porsche de Fernando Sastre, que dirigia embriagado. Segundo narra o livro, enquanto não recebe a sentença, Sastre vive em “permanente estado de melancolia”. Situação oposta é vivida por Lindemberg Alves Fernandes, condenado pelo assassinato da ex-namorada Eloá Pimentel, em 2008. Preso desde então, ele está no regime semiaberto, mas nos dias em que passa longe de Tremembé, descreve Campbell, Fernandes teme ser assassinado pelo pai de Eloá, Everaldo Pereira dos Santos, ex-cabo da PM de Alagoas com seu próprio histórico criminoso, tendo participado de um grupo de extermínio nos anos 90. Preso em 2009, Everaldo dos Santos entrou no regime aberto em 2014 e mora em São Paulo.

A chegada do ex-jogador do Real Madrid à penitenciária fez com que o número de visitantes dobrasse entre abril e junho de 2024, atraídos pela oportunidade de ver Robinho, enquanto reencontram parentes presos. Na rotina do detento está treinar os colegas de cárcere. Ele não realiza tarefas domésticas, que acabam sendo feitas por outros presos.

O empresário pernambucano lê livros de filosofia no banho de sol e adota uma postura arrogante na cadeia, segundo Campbell. Aos outros detentos, chegou a dizer já ter servido nas Forças Armadas da Rússia e ser campeão mundial de jiu-jítsu, informações inverídicas. No cárcere, ele vive uma disputa com Robinho para ser visto como o líder da P2.

Tido como referência no mercado da reprodução assistida, o médico Roger Abdelmassih está em Tremembé desde que foi condenado por estuprar 37 pacientes. No cárcere, fez amizade com o jornalista Pimenta Neves e o ex-senador Luiz Estevão. O trio recebeu dos detentos apelidos como “viúvas da elite” e “tias do chá”. Juntos, passavam o tempo lendo.

Condenada a 16 anos de prisão por esquartejar o marido, Elize Matsunaga está em liberdade condicional e trabalha como motorista de aplicativo. Como Anna Carolina Jatobá, sentenciada pela morte da enteada, Isabella Nardoni, já passou por Tremembé. No cárcere, viveu um relacionamento com Sandra Ruiz, a Sandrão, que depois namorou Suzane von Richthofen.

Elize Matsunaga durante julgamento no Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães, no bairro da Barra Funda, zona oeste de São Paulo (SP). Foto: PAULO LOPES/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO